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8 de março de 2010
REPRESSÃO E PERMISSIVIDADE CONTRA A DISCIPLINA
Dois filmes opostos dizem a mesma coisa. A Onda (2008), de Denis Gansel, baseado no livro de Morton Rhue, por sua vez inspirado num episódio real acontecido em Palo Alto, na Califórnia, quando o professor de história Ron Jones tentava explicar o nazismo para seus alunos, em 1967, é sobre a necessidade da permissividade para evitar a repressão. Harry Brown (2009), de Daniel Barber, é sobre a necessidade da repressão para evitar a permissividade. Ambos são contra a disciplina, base da liberdade.
Os alunos de A Onda, criados no caos do excesso de liberalidade, tanto em casa como na escola, ficam fascinados pelos lugares comuns que formaram a juventude até a minha geração, ou seja, a ordem integradora e o respeito à coletividade. Mas isso, segundo o filme, leva ao fascismo. O velho fuzileiro aposentado Harry Brown, farto dos assaltos no gueto onde mora, resolve fazer justiça com as próprias mãos. Isso, segundo o filme, leva à diminuição da criminalidade. A solução, no primeiro, é manter o caos na formação dos alunos para não cair na tentação nazista. E no segundo é tocar fogo no gueto para que os cidadãos possam cruzar livremente o túnel para pedestres.
Sentar-se em aula como se você estivesse no sofá da sua casa é um vício de comportamento que estimula a preguiça e a arrogância. Vi isso quando, tardiamente, freqüentei a faculdade de História. Um dos alunos rodeava-se de cadeiras para colocar os pés, a pasta, o casaco, os braços, enquanto se estendia quase como numa cama no lugar feito para sentar. Como um sujeito desses vai levar a sério a educação? Cansei de falar aqui: se você transforma o ensino em algo lúdico, o que a meninada vai fazer no recreio, dar tiros?
O professor que dá um curso sobre autocracia confunde tudo em A Onda. Ele corrige postura, comportamento e exige disciplina. Era o que acontecia no meu colégio. Tínhamos também uniforme, não farda fascista nem nada, apenas uma camiseta com o logo da instituição e calça a gosto. Mas a uniformização eliminava as diferenças sociais, como é dito no filme. Mas isso jamais levou à formação de gangs e a Hitler. O que leva às gangs e Hitler é exatamente o oposto, a permissividade. Quando você aceita que meia dúzia de bandidos uniformizados imponham comportamentos para a massa e acha tudo muito bonito até que multidões comecem a ser levadas em trens imundos para a câmara de gás, a culpa não é da disciplina.
Trata-se de um crime contra a juventude incentivar a promiscuidade, o desleixo e a falta de cobrança. Quem está em formação precisa de parâmetros e isso só se consegue com disciplina. Não se pode deixar a meninada à mercê de traficantes, como acontece em Harry Brown. Racismo, indiferença e políticas públicas de exclusão levam ao desespero as novas gerações, que reage contra tudo e todos, de maneira caótica, sem ideologia nem finalidades. O “remédio” usado é a brutalidade policial, a incompetência das investigações e a vingança pura e simples. O filme poderia ser encarado como uma denúncia da situação, mas não cola. Celebra o que mostra e que deveria condenar.
Mas disciplina não é fascismo? Claro que não. As gerações criadas na disciplina lutaram não pela anarquia, mas pela seriedade no ensino. Fomos às ruas em 1968 não porque queríamos nos locupletar, mas porque faltavam vagas nas universidades públicas, porque a educação brasileira estava sendo pautada por um acordo com os Estados Unidos (o MEC-Usaid). Queríamos a disciplina com que fomos criados e víamos a traição impetrada pela ditadura. O resultado está ao nosso redor hoje: analfabetismo geral, evasão escolar, violência em sala de aula, decepção dos professores.
A solução não é a repressão nem a permissividade, mas a boa e velha disciplina, a que nos ensinava desde cedo a respeitar os outros e a entender melhor como funciona o mundo. Se alguém é criado como se não houve qualquer limite para nada, o resultado forçosamente é o tiro a esmo que atinge crianças, mulheres e idosos, como vemos em Harry Brown.
RETORNO - Dez horas antes da premiação do Oscar 2010 escrevi o seguinte no Twitter: "Oscar 2010, meus favoritos: Guerra ao terror, Jeff Bridges, Sandra Bullock, Kathryn Bigelow e O Segredo dos seus olhos". Acertei 100%! Apostei em Jeff e Sandra porque são grandes atores traídos pela imagem que se faz deles. São concentrados, talentosos, sem afetação, mas costumam ser vistos como superficiais e maneiristas, o que não é verdade. Era a hora deles. No filme argentino, porque o cinema argentino é hoje o melhor do mundo. E em Kathryn porque vi esses tempos The Hurt Locker, que significa um período de intensa dor, impossível de ser evitada. Nada a ver com o título brasileiro "Guerra ao terror". O filme aborda o horror e o fascínio da guerra e como vivem nela as vítimas - soldados e civis em conflito permanente. Um grande filme, que não justifica a Guerra do Iraque (isso não está em pauta), mas revela o grau de demência pessoal e coletiva da violência no Oriente Médio.
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