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4 de março de 2010
HILLARY VISITA A AFROBRAS
A Coca-Cola e a Rede Globo são parceiros na copa da África do Sul: já rolou, oficialmente, 81 milhões de reais da Coca para a cobertura monopolista da Globo. Coincidentemente, Hillary Clinton esteve ontem na Universidade Zumbi dos Palmares, em São Paulo. A instituição é patrocinada, entre outros investidores, pela Fundação Coca-Cola, que dedica um aporte financeiro anual e um aporte logístico, num contrato assinado por dez anos. O evento contou com o apoio da Rede Globo, que colocou no palco dois de seus jornalistas para orientar o debate.
Na platéia, alguns estudantes negros (a cota é de 50% das vagas para os chamados afrobrasileiros) que conseguem pagar a mensalidade de mais de 500 reais, vestiam-se de africanos, apesar de serem brasileiros, filhos de brasileiros e descendentes seculares de brasileiros. Um professor da instituição chamou Hillary de “o cara”, arrancando gargalhada da convidada e aplausos gerais.
Que instituição de ensino étnica é essa que justifica, pelo exemplo, universidades germânicas ou nipônicas no Brasil e que na visita da autoridade do governo Obama representou o país, a cultura e a elite intelectual, oferecendo fantasias variadas dos chamados afrodescendentes? Trata-se da primeira (haverão outras?) faculdade brasileira voltada para estudantes negros É um projeto da ONG Afrobras, que recebe recursos anuais da Fundação Coca-Cola, com sede em Atlanta, nos Estados Unidos. Tem como parceiros, entre outros, IBM; Microsoft, Merck Sharp & Dhome, Citibank, Real ABN AMRO, Santander/ Banespa, Safra, HSBC, TV Record, Fundação Roberto Marinho, Consulado dos Estados Unidos da América, Ministério da Cultura, Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo.
Agora me expliquem. Como uma instituição aparentemente libertária pode estar tão abraçada à embaixada americana e a uma das mais poderosas corporações do mundo, uma monumental fábrica de purgante adocicado? Qual o interesse em jogo? Por que reforçar a imagem de um Brasil africano, quando somos de todas as cores? Quando Dom João VI chegou ao Brasil em 1808 viu que a elite brasileira era hegemonicamente mestiça, mulata e negra. O primeiro sistema econômico poderoso que se instalou nas terras descobertas foi o da cana-de-açúcar , totalmente importada das colônias africanas de Portugal. Veio tudo de lá: máquinas, processos, mão-de-obra e proprietários. Houve um cruzamente geral dos cinco continentes em terras brasileiras. Temos 500 anos de idade. Somos brasileiros, não africanos, europeus ou asiáticos.
Uma das patronas das turmas de formandos da nova universidade, fundada em 2004, foi a atleta Daiane dos Santos, que tem 60% de sangue europeu, como provou um teste de DNA. Outro patrono foi, claro, Lula, que promove umas instituição emergente, étnica, em detrimento das instituições superiores de ensino, que sofrem de problemas endêmicos há décadas. Não existe nada mais democrático do que a Fuvest: passa quem estudou. Na USP, há estudantes de todos os tipos. Estudei lá por mais de uma vez. Tive professores e colegas negros. É uma minoria, mas isso se resolve investindo na base e rearticulando toda a educação brasileira e não simplesmente criando guetos étnicos ou forçando cotas raciais.
A resposta ao racismo não pode ser a imposição racial. A resposta à escravidão não pode ser a criação de guetos. A resposta à sociedade de privilégios não é anexar privilégios aos contingentes marginalizados, mas democratizar as oportunidades por meio da meritocracia, da ética, da justiça social, da distribuição de renda. Num sistema tirânico como o nosso, onde a política econômica e a corrupção nos três poderes dão as cartas, é preciso atacar o coração do monstro e não maquiá-lo com soluções mágicas.
Não interessa mostrar o Brasil com suas instituições reconhecidas internacionalmente. A “excelência” da Zumbi dos Palmares é garantida, segundo release da instituição, pela Unip, a universidade do Di Gênio! No dia em que o grande sistema de ensino que medrou na ditadura for referência, estaremos fritos. Há controvérsias sobre o herói negro Zumbi, que seria escravocrata e manteve seu território liberado negociando com o sistema econômico oficial. Eleger um heroísmo controverso e implantá-lo como modelo educacional é muito suspeito.
Mas não se pode reclamar. Hillary teve o que esperava: um gueto étnico à sua espera, reforçando a imagem que os americanos querem para nós, de um país exótico e colorido. Nossa diversidade, nossa sobriedade, nossa gravidade, nossa profundidade, nossa herança, nossa voz, tudo isso fica calado quando a branquela desce do avião e cai no colo de um evento pautado pela publicidade. Ela pode então sorrir muito para quem se deslumbra com sua presença, e que não a contesta, antes a escuta com reverência (não vai contrariar o patrocínio da embaixada americana, vai?).
Vamos ver o que é a Afrobras, segundo ela mesma “A Afrobras é uma organização não governamental, fundada em 1997, reunindo intelectuais, autoridades, personalidades, negras ou não, e tem por finalidade trabalhar pela inserção sócio econômico cultural e educacional dos jovens negros brasileiros.”
E agora a Palmares: “A Universidade da Cidadania Zumbi dos Palmares, através do Instituto Afro-Brasileiro de Ensino Superior, foi criada pela portaria nº 3.591, de 13/12/02, do Ministério da Educação, e inaugurada em 21/11/03. As aulas tiveram inicio em fevereiro de 2004. Hoje, com 1000 alunos em apenas dois anos de existência, trata-se da primeira faculdade idealizada por negros, tendo como foco a cultura, a produção e a difusão dos valores da cidadania e, em especial, o respeito à diversidade e à equalização de oportunidades sociais (83,7% dos alunos são afrodescendentes). Nessa primeira fase do Projeto Global da Universidade da Cidadania Zumbi dos Palmares, que tem como objetivo a inclusão do negro no ensino superior do país, está em operação a Faculdade de Administração, em quatro habilitações: Geral; Comércio Exterior; Serviços e Comércio Eletrônico; e Financeira ― devidamente autorizadas pelo MEC.”
Vamos aguardar a Germanbras ou a Nipobras. Agora tudo pode. Ou não?
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