13 de janeiro de 2013

O CAPITÃO DE NARIZ COMPRIDO

Graciliano Ramos

“O capitão de nariz comprido esteve conosco dois ou três dias. Nunca lhe ouvi uma palavra, mas vi-o falar em excesso a grupos pequenos, afirmativo, açodado, a examinar os arredores com jeito de conspirador. Sem revelar em público nenhuma opinião, estava sempre a sussurrar um cacarejo indistinto, passeava na assistência minguada os inexpressivos olhos de ave, erguia o bico longo, baixava-o, reproduzia movimentos sacudidos de galinha a colher grãos. Os cochichos permanentes aborreciam-me, os gestos ambíguos, o proceder furtivo, o conluio visível de meia dúzia de pessoas. Afinal do tipo sumiu. Na verdade estivera a sumir-se constantemente, a esgueirar-se de um cubículo para outro. Findos esses manejos, bateu asas na fuga definitiva, nem nos deu tempo de gravar-lhe o nome: para mim ficou sendo o capitão de nariz comprido.”


Este parágrafo inicial do capítulo 9 da Segunda Parte do Volume I de Memórias do Cárcere (pg. 253), ensina como o mestre formata um personagem, que neste trecho do livro tem a função de sintetizar as dissenções internas dos presidiários políticos. Este livro é a grande obra prima de Graciliano Ramos. É seu Grande Sertões, Seu O tempo e o Vento, seu Guerra e Paz. O Brasil no porão, explícito, cru, diverso, assustador. Um mural humano com detalhes íntimos de cada figura, cada gesto, cada ação. 


O livro o tempo todo é sobre o ofício do escritor. Uma Aula magna. A narração narrando a si mesma, o narrador tratando o protagonista, real, como personagem, e cada personagem como pessoa real. As folhas escritas fazendo parte da história. A postura, a concentração, a auto-crítica, o desespero, a dispersão, a memória. O texto fazendo parte da ação. Um assombro. Segue a leitura.