12 de janeiro de 2013

DESAMOR



Nei Duclós

Segui teus passos, desamor. Não estou habituado, ainda. A toda hora sinto alguma coisa.

Não pense que um aceno me traz de volta. Aprendi a me defender, possesso.

Cortei todos os acessos, levantei a ponte do fosso, fechei as comportas e abri meu diário. Caderno condenado ao mais vil porão da desmemória.

O amor não serve para perpetuar a espécie, mas para exterminar seu poder de sobrevivência, beldade indiferente.

Jogaste fora o tempo de devoção soprado pela força de um coração no front. Hora de voltar a pé, pela trilha dos exaustos, para teu campo um dia abandonado.

Agora se distraia, busque a mosca azul do que não compreendes. Quem sabe outro caia na rede, ilusionista de amarras.

Te deixaram a sós, com o único tesouro verdadeiro. O amor vindo da fonte.

O sentimento nos torna vulneráveis. Sempre tem algo de tocaia. É o preço pago pela fé na felicidade.

Eu estava enganado. Não era amor, mas minha projeção na tela infinita das possibilidades.

Parece óbvio demais passar por desilusão, mas sempre apostamos no que nos transcende. Fomos moldados para o eterno.

Parece sem fim esse nada que me abate, mas é só ressaca do teu desamor covarde.

Até recuperar minha capacidade de sonho vagarei no deserto para onde me levaste. Morrerá de sede o que veio de ti, enquanto fabrico oásis.

Fiquei escaldado. Agora em vez de amar, farei como tu, para que me achem maduro.

Não tinha notado. Sugaste meu coração por hábito. Deixaste no lugar essa solidão que é tua herança estéril.

Diga adeus, porque eu estou com preguiça.

Vou piorar para ficares livre de vez.

Prefiro que seja confundido com admiração. Amor levanta suspeitas.


RETORNO -  Imagem desta edição: Bette Davis.