“Esquisita pessoa, Agildo. Minguado, mirrado. A voz fraca e
a escassez de músculos tornavam-no impróprio ao comando. A sua força era
interior. Dizia a palavra necessária, fazia o gesto preciso, na hora exata.
Economizava ideias e movimentos para utilizá-los com segurança: moreno, rosto
impassível, tinha uns longes de esportista japonês: ligeiro desvio, avanço ou
recuo oportuno assegurava-lhe a vitória. Preso,dirigira a sublevação o3.º
Regimento e tão bem se comportara que, após breve luta, estava no cassino,
vigiando os oficiais legalistas vencidos.
Faltava um major e ninguém dera pela ausência dele: provavelmente sucumbira
na peleja.
Súbito o desaparecido invadira a sala, gigantesco,
chegara-se ao carcereiro, uma pistola em cada mão. Às desvantagens naturais Agildo
somava então inconvenientes acessórios: apanhavam-no de surpresa, sentado, via
um sujeito enorme, em pé diante dele, manejando armas. Estou frito, dissera por
dentro. E levantara-se para morrer. O colossal major, rubro e afobado, largara
as duas pistolas em cima de uma banca e expressara-se veemente:
- Rendo-me. Contra a força não há argumento.”
No capítulo 13 da Segunda Parte do Volume I de Memórias do
Cárcere, Graciliano Ramos traça esse perfil primoroso de Agildo Barata, uma
personalidade conhecida nas leituras sobre a época das revoluções dos anos 1920
e 1930. Li a autobiografia de Agildo e também as páginas que a ele se referem
em Juarez Távora e outros memorialistas.
Jamais tinha tido uma ideia exata da figura até chegar a este parágrafo
de ouro.
O capítulo todo é dedicado a Agildo, que segundo Graciliano,
tinha a qualidade rara de “apreender num
instante as disposições coletivas”. O episódio em que Agildo lidera a briga por
talheres decentes, em que os presos jogam as refeições no pátio com grande
estardalhaço, é de fazer saltar da cadeira.
RETORNO - Imagem desta edição: a revolta de 1935.