Quando falam que tens futuro, e apontam caminhos para chegar lá, é porque querem conduzir teu destino. Qual é o futuro dos dois jovens de classe média baixa londrina (Colin Farrel e Ian McGregor) no filme de Woody Allen, O sonho de Cassandra (2007)? É o tio milionário Howard (Tom Wilkinson), ídolo da irmã, mãe dos rapazes, que não cansa de usá-lo como modelo contra o marido perdedor, enfartado e dono de restaurante. Na mitologia grega, Cassandra é a a belíssima troiana amaldiçoada por Apolo, que não conseguiu faturá-la e por isso determinou que suas profecias jamais teriam credibilidade.
Nada mais adequado: o sonho de ascensão social por meio do dinheiro fácil, a mais recorrente profecia da ditadura especulativa, mostra as vísceras e faz suas vítimas, exatamente as pessoas que acreditaram nela. Não importa que cabeças lúcidas tenham avisado que tudo estava pôdre e iria explodir, as pessoas embarcaram assim mesmo. Essa é a maldição de Cassandra: avisar e não conseguir mudar nada. E esse é o papel dos falsos profetas, as Cassandras de araque e pelo avesso: predizer um mundo ideal que vira um monte de estrume em pouco tempo.
É proibido falar mal de Woody Allen. Nesta avalanche de mediocridade que toma conta da indústria audiovisual, em que temos de ver uns 30 filmes por mês para que escape um ou dois, é preciso aguardar cada lançamento dele com ansiedade. Allen nunca nos decepciona. Ele não tem apenas o dom, tem a técnica, o que é muito mais difícil. O que encanta nele são as âncoras cinematográficas históricas que usa. Com o auxílio de Philip Glass, que cuidou da música, ele faz misérias com uma produção barata, enxuta, sensível, brilhante. Sabe o barco que sai do cais ao som de uma música ao mesmo tempo épica e romântica, e que nos enleva, nos seduz para uma narrativa boa de ver? Tão simples assim.
Sabe Hitchcock? Está todo em Woody Allen nesse filme. O Pacto Sinistro entre os irmãos e o tio bandido (você mata o desafeto que eu te proporciono uma boa vida); a sala escura pré-assassinato onde toca o telefone, como Disque M para Matar; a perseguição dos algozes contra a vítima nos becos ao som de efeitos sonoros de arrepiar, como tantas vezes vemos nos clássicos do mestre de suspense. Tudo são referências, jamais plágio. Vejo cineastas mediocres plagiando sem parar e se achando gênios. Woody Allen tem competência, sabedoria, talento, clareza de propósitos. E conhece cinema como poucos.
É encantadora a objetividade das seqüências. O diálogo entre o casal de personagens se refere ao campo inglês. Na cena seguinte, lá estão eles no pic-nic, no lago, na relva. A atriz marca encontro com o pretendente, que vai assisti-la numa sessão de fotos num balneário. O apaixonado abana para a mulher de longe. A câmara faz um travelling e se fixa num hotel. Corta para a cena da cama. Tudo muito despojado. Parece fácil de fazer, mas não é.
Dois ou três filmes por mês? Às vezes nem isso. Ultimamente, temos tido sorte aqui nas locadoras do norte da ilha. Vi Efeito Dominó, de Roger Donaldson, com Jason Statham, muito bom. Ambientado nos anos 60, reporta o maior roubo a bancos na Inglaterra. A capa do dvd mostra o carismático Jason de arma na mão. Parece um trhriller de blockbuster, mas é um tremendo filme. Não sabia que a história se passava naquela época e estranhei que não via nem celular nem computador em cena. As pessoas faziam apontamentos em folhas de papel, em cadernetas. As chantagens usavam fotos de papel e filmes de celulóide, imaginem. Hoje, com a proliferação digital, já vai direto para a rede e pronto.
Os dois filmes abordam a necessidade de enriquecer, o sonho da grana abundante, a aposentadoria precoce. É a profecia da nossa época. Deposite sua grana em nossos inúmeros produtos de investimento que nós cuidamos de multiplicá-la. Você vai viver de rendas, virar um aristocrata. Na hora em que os bancos e seguradoras começam a pedir falência, você vê o tamanho do estrago. Não vá escutar aquele tio que parece tão bem sucedido e não passa de um gangster. Cuidado com as falsas Cassandras.
RETORNO - Imagem de hoje: os protagonistas de "O Sonho de Cassandra" no veleiro do mesmo nome, símbolo do status que eles queriam ter.
Nada mais adequado: o sonho de ascensão social por meio do dinheiro fácil, a mais recorrente profecia da ditadura especulativa, mostra as vísceras e faz suas vítimas, exatamente as pessoas que acreditaram nela. Não importa que cabeças lúcidas tenham avisado que tudo estava pôdre e iria explodir, as pessoas embarcaram assim mesmo. Essa é a maldição de Cassandra: avisar e não conseguir mudar nada. E esse é o papel dos falsos profetas, as Cassandras de araque e pelo avesso: predizer um mundo ideal que vira um monte de estrume em pouco tempo.
É proibido falar mal de Woody Allen. Nesta avalanche de mediocridade que toma conta da indústria audiovisual, em que temos de ver uns 30 filmes por mês para que escape um ou dois, é preciso aguardar cada lançamento dele com ansiedade. Allen nunca nos decepciona. Ele não tem apenas o dom, tem a técnica, o que é muito mais difícil. O que encanta nele são as âncoras cinematográficas históricas que usa. Com o auxílio de Philip Glass, que cuidou da música, ele faz misérias com uma produção barata, enxuta, sensível, brilhante. Sabe o barco que sai do cais ao som de uma música ao mesmo tempo épica e romântica, e que nos enleva, nos seduz para uma narrativa boa de ver? Tão simples assim.
Sabe Hitchcock? Está todo em Woody Allen nesse filme. O Pacto Sinistro entre os irmãos e o tio bandido (você mata o desafeto que eu te proporciono uma boa vida); a sala escura pré-assassinato onde toca o telefone, como Disque M para Matar; a perseguição dos algozes contra a vítima nos becos ao som de efeitos sonoros de arrepiar, como tantas vezes vemos nos clássicos do mestre de suspense. Tudo são referências, jamais plágio. Vejo cineastas mediocres plagiando sem parar e se achando gênios. Woody Allen tem competência, sabedoria, talento, clareza de propósitos. E conhece cinema como poucos.
É encantadora a objetividade das seqüências. O diálogo entre o casal de personagens se refere ao campo inglês. Na cena seguinte, lá estão eles no pic-nic, no lago, na relva. A atriz marca encontro com o pretendente, que vai assisti-la numa sessão de fotos num balneário. O apaixonado abana para a mulher de longe. A câmara faz um travelling e se fixa num hotel. Corta para a cena da cama. Tudo muito despojado. Parece fácil de fazer, mas não é.
Dois ou três filmes por mês? Às vezes nem isso. Ultimamente, temos tido sorte aqui nas locadoras do norte da ilha. Vi Efeito Dominó, de Roger Donaldson, com Jason Statham, muito bom. Ambientado nos anos 60, reporta o maior roubo a bancos na Inglaterra. A capa do dvd mostra o carismático Jason de arma na mão. Parece um trhriller de blockbuster, mas é um tremendo filme. Não sabia que a história se passava naquela época e estranhei que não via nem celular nem computador em cena. As pessoas faziam apontamentos em folhas de papel, em cadernetas. As chantagens usavam fotos de papel e filmes de celulóide, imaginem. Hoje, com a proliferação digital, já vai direto para a rede e pronto.
Os dois filmes abordam a necessidade de enriquecer, o sonho da grana abundante, a aposentadoria precoce. É a profecia da nossa época. Deposite sua grana em nossos inúmeros produtos de investimento que nós cuidamos de multiplicá-la. Você vai viver de rendas, virar um aristocrata. Na hora em que os bancos e seguradoras começam a pedir falência, você vê o tamanho do estrago. Não vá escutar aquele tio que parece tão bem sucedido e não passa de um gangster. Cuidado com as falsas Cassandras.
RETORNO - Imagem de hoje: os protagonistas de "O Sonho de Cassandra" no veleiro do mesmo nome, símbolo do status que eles queriam ter.
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