Tudo é culpa do cidadão. Se estiver acima do peso, se fizer ultrapassagem, se ficar atravessado na pista, se não vai buscar o pequeno prêmio da loteria, se votar em ladrão, se não descontar o PIS a que tem direito, se fumar, se beber, se fizer compras de última hora. O indivíduo é culpado de ficar no sofá e não aproveitar a promoção, de ter sido assassinato na madrugada (era acerto de contas do tráfico, claro), de ver a casa cair (por que não mudou logo da área de risco?), de se juntar, se separar, discutir, reclamar, denunciar, gritar, chorar ou pensar. O que resta ao indivíduo é anular-se completamente e fazer parte da massa, ou da galera, como é moda dizer hoje.
Como galera, o indivíduo massacrado em sua individualidade, em sua vivência, em sua memória particular, em seus talentos, serve para levantar as mãos ao alto e gritar iuhúú. Serve para aplaudir, descontar imposto, virar número de estatísticas, pesquisas, eleições primárias e adversárias. Serve para engrossar os estádios podres e assim justificar a falta de políticas públicas para o esporte. Serve para alimentar o cofre milionário das ONGs lutando capoeira ou salvando tartaruga. Serve para ter seu empréstimo descontado com juros na folha de pagamentos da aposentadoria.
O indivíduo “enquanto” galera serve para endividar-se até o osso para ter o mínimo para viver. Para ver que sua dívida interminável aumenta enquanto despencam os armários que comprou, os fogões enferrujam, os televisores fiquem para sempre sem conserto. O indivíduo serve para colocar uns tijolos no barraco e assim sonhar com a alvenaria, que só existiria se houvesse reboco e pintura. Para pagar pedágio às milícias, se transformar em alvo de bala perdida, comprar fumo de traficante, engolir mijo podre em forma de cerveja, vestir essas sandálias piratas, essas roupas do Paraguai, esses tecidos chineses, essas merdas que se incorporam ao grande lixo nacional.
O indivíduo expulso de sua individualidade serve para estragar os dentes, ficar na fila do SUS até morrer, pedir socorro, perdão. Para dizer “com certeza” em frente às câmaras, para rebolar, subir em galhos, macaquear até não poder mais. Ou então empostar a voz e assumir uma das culturas corporativas, essas que fazem da crise oportunidade, dos caras que vieram para somar, para dar o seu melhor, para chorar de emoção quando receber um caminhão de badulaques na sua porta, pintar as unhas nas recepções quando enfim está empregado, para aplicar o gerundismo em todo telefonema asqueroso que for agendado, para estar sempre ignorando, fazendo pouco, enquanto se submete a todo tipo de tirania.
O indivíduo que não passa de galera serve para ter seus documentos clonados, seu carro roubado, sua linha de ônibus atrasada, lotada, desesperadora. Não há mais indivíduos no país que optou por enterrar sua soberania. Pois disso também é culpado: por ter aberto as pernas para os gringos, por chamar todo mundo para vir foder aqui dentro, por colocar o nome do país na bunda de suas atletas, por permitir que só existam fêmeas brasileiras nas propagandas onde os machos são todos estrangeiros.
Por isso quando gritam “aí, galera” é de você, de nós, que estão debochando. Nós, os indivíduos que resistem com a grande pequenez de nossos mundos ainda vivos, que resistimos apesar da avalanche, que somos capazes de enfrentar a bandidagem. Eles debocham de nós, mas nós somos o que não finda e reinventamos em cada segundo o movimento da roda que em espiral ganha novamente o mundo.
Como galera, o indivíduo massacrado em sua individualidade, em sua vivência, em sua memória particular, em seus talentos, serve para levantar as mãos ao alto e gritar iuhúú. Serve para aplaudir, descontar imposto, virar número de estatísticas, pesquisas, eleições primárias e adversárias. Serve para engrossar os estádios podres e assim justificar a falta de políticas públicas para o esporte. Serve para alimentar o cofre milionário das ONGs lutando capoeira ou salvando tartaruga. Serve para ter seu empréstimo descontado com juros na folha de pagamentos da aposentadoria.
O indivíduo “enquanto” galera serve para endividar-se até o osso para ter o mínimo para viver. Para ver que sua dívida interminável aumenta enquanto despencam os armários que comprou, os fogões enferrujam, os televisores fiquem para sempre sem conserto. O indivíduo serve para colocar uns tijolos no barraco e assim sonhar com a alvenaria, que só existiria se houvesse reboco e pintura. Para pagar pedágio às milícias, se transformar em alvo de bala perdida, comprar fumo de traficante, engolir mijo podre em forma de cerveja, vestir essas sandálias piratas, essas roupas do Paraguai, esses tecidos chineses, essas merdas que se incorporam ao grande lixo nacional.
O indivíduo expulso de sua individualidade serve para estragar os dentes, ficar na fila do SUS até morrer, pedir socorro, perdão. Para dizer “com certeza” em frente às câmaras, para rebolar, subir em galhos, macaquear até não poder mais. Ou então empostar a voz e assumir uma das culturas corporativas, essas que fazem da crise oportunidade, dos caras que vieram para somar, para dar o seu melhor, para chorar de emoção quando receber um caminhão de badulaques na sua porta, pintar as unhas nas recepções quando enfim está empregado, para aplicar o gerundismo em todo telefonema asqueroso que for agendado, para estar sempre ignorando, fazendo pouco, enquanto se submete a todo tipo de tirania.
O indivíduo que não passa de galera serve para ter seus documentos clonados, seu carro roubado, sua linha de ônibus atrasada, lotada, desesperadora. Não há mais indivíduos no país que optou por enterrar sua soberania. Pois disso também é culpado: por ter aberto as pernas para os gringos, por chamar todo mundo para vir foder aqui dentro, por colocar o nome do país na bunda de suas atletas, por permitir que só existam fêmeas brasileiras nas propagandas onde os machos são todos estrangeiros.
Por isso quando gritam “aí, galera” é de você, de nós, que estão debochando. Nós, os indivíduos que resistem com a grande pequenez de nossos mundos ainda vivos, que resistimos apesar da avalanche, que somos capazes de enfrentar a bandidagem. Eles debocham de nós, mas nós somos o que não finda e reinventamos em cada segundo o movimento da roda que em espiral ganha novamente o mundo.
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