Nei Duclós (*)
Nepotismo, prostituição infantil, violência urbana: nada escapa ao cronista Olavo Bilac na carioca Gazeta de Notícias. Na virada do século 19 para o 20, ele denuncia os exploradores sexuais de crianças de sete e oito anos, ironiza os oligarcas que empregam as famílias nas bocas do Senado e da Câmara, se insurge contra as quadrilhas em ação na Revolta da Vacina. Bilac tem o dom da palavra clara, sem esse azedume que tomou conta da literatura brasileira nos últimos tempos, fruto da desconfiança dos autores em relação aos leitores.
Pois só pode ser isso: quem escreve, hoje, tem medo de ser confundido com as gavetas sinistras onde foram colocadas idéias e posturas. Como vivemos sob opressão constante, o truque foi jogar na vala comum o que não se enquadra nos novos cânones, para assim, lampeiros, os denunciantes se confraternizarem no limbo da correção impoluta. Esse expediente garante grossas fatias dos projetos milionários, que oficializaram alguns lugares comuns do modernismo para excluir o que aparentemente se opõe a ele.
Bilac, por exemplo, é colocado como o modelo do poeta ultrapassado, aquele que importou modismos da França e compôs ladainhas para senhoritas e madames em salões encerados. Bilac é um assombro de domínio do idioma e tem o que perdemos miseravelmente: a música das palavras, que é, no fundo, a sua essência. Exatamente o oposto dessa literatura metida a besta que domina o país, com suas escatologias primárias, seus pseudo-rompimentos de linguagem, suas certezas datadas, suas portas fechadas ao talento fora do circuito (uma situação marginal que, às vezes, é empalmada pelos espertalhões, que fingem assim ser avessos ao sistema, quando o servem).
É preciso ter coragem para enfrentar o medo de ser enquadrado. Clareza é fundamental para sair de cima do muro e se horrorizar diante da destruição do tecido social, quando as cidades são dominadas por facínoras, que aproveitam a insurgência coletiva para destruir o último poder reservado à cidadania (o direito de ir e vir, de sobreviver). O “correto” é dourar a pílula e justificar a brutalidade usando o álibi perfeito da sede de justiça. Se esse equívoco precisar de um monumento, basta olhar em torno.
RETORNO - (*) Crônica publicada nesta terça-feira, dia 23 de setembro de 2008, no caderno Variedades do Diário Catarinense.
Nepotismo, prostituição infantil, violência urbana: nada escapa ao cronista Olavo Bilac na carioca Gazeta de Notícias. Na virada do século 19 para o 20, ele denuncia os exploradores sexuais de crianças de sete e oito anos, ironiza os oligarcas que empregam as famílias nas bocas do Senado e da Câmara, se insurge contra as quadrilhas em ação na Revolta da Vacina. Bilac tem o dom da palavra clara, sem esse azedume que tomou conta da literatura brasileira nos últimos tempos, fruto da desconfiança dos autores em relação aos leitores.
Pois só pode ser isso: quem escreve, hoje, tem medo de ser confundido com as gavetas sinistras onde foram colocadas idéias e posturas. Como vivemos sob opressão constante, o truque foi jogar na vala comum o que não se enquadra nos novos cânones, para assim, lampeiros, os denunciantes se confraternizarem no limbo da correção impoluta. Esse expediente garante grossas fatias dos projetos milionários, que oficializaram alguns lugares comuns do modernismo para excluir o que aparentemente se opõe a ele.
Bilac, por exemplo, é colocado como o modelo do poeta ultrapassado, aquele que importou modismos da França e compôs ladainhas para senhoritas e madames em salões encerados. Bilac é um assombro de domínio do idioma e tem o que perdemos miseravelmente: a música das palavras, que é, no fundo, a sua essência. Exatamente o oposto dessa literatura metida a besta que domina o país, com suas escatologias primárias, seus pseudo-rompimentos de linguagem, suas certezas datadas, suas portas fechadas ao talento fora do circuito (uma situação marginal que, às vezes, é empalmada pelos espertalhões, que fingem assim ser avessos ao sistema, quando o servem).
É preciso ter coragem para enfrentar o medo de ser enquadrado. Clareza é fundamental para sair de cima do muro e se horrorizar diante da destruição do tecido social, quando as cidades são dominadas por facínoras, que aproveitam a insurgência coletiva para destruir o último poder reservado à cidadania (o direito de ir e vir, de sobreviver). O “correto” é dourar a pílula e justificar a brutalidade usando o álibi perfeito da sede de justiça. Se esse equívoco precisar de um monumento, basta olhar em torno.
RETORNO - (*) Crônica publicada nesta terça-feira, dia 23 de setembro de 2008, no caderno Variedades do Diário Catarinense.
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