Nei Duclós
Por mais de uma vez ao longo de 158 páginas, o jornalista e
pesquisador Mario Xavier A. de Oliveira
chama de reportagem o conteúdo do seu livro - "O Coronel Freitas e a Colônia Militar
de Chapecó/ Os primórdios de Xanxerê e a colonização do Oeste catarinense"
( Editora Insular, 2016). Faz parte do seu rigor definir-se dentro do seu
perfil profissional, mas o trabalho aqui transcende seu oficio. Há uma precisão de textos de mestrado, quando se alcança erudição num assunto, sem ainda
propor uma tese, o que já estaria no nível de doutorado.
Xavier teve todos os cuidados de um scholar. Foi fiel às
fontes, citadas exaustivamente nos oito capítulos, manteve firme o recorte do
assunto, que é a implantação de uma colônia num território conflagrado pela
disputa de fronteiras interestaduais e internacionais, se aprofundou no projeto
imperial das colônias militares (depois abraçadas pela República) e seguiu os
passos de seus protagonistas, os militares que lideraram o processo nos ermos
da mata, gerando assim não apenas uma colônia bem sucedida, mas novos
municípios e estradas, contribuindo decisivamente para a ocupação e delimitação
das fronteiras da região.
Xavier não se desvia do assunto e intensifica o apoio de
fontes valiosas, seguindo a lição dos historiadores de conseguir decifrar
momentos, épocas e personagens por meio de algumas pistas, como relatórios,
cartas, documentos de caserna, tradição familiar oral dos descendentes etc.
Isso veste o livro de uma sobriedade suficiente para nos convencer de que esse
quadro minuciosamente desenhado pela pesquisa e o texto está plenamente
sintonizado com os fatos do passado.
Weber nos alerta que o passado é incomensurável, não pode
ser medido,capturado em sua totalidade. Não há como acessá-lo de maneira
completa, apenas nos aproximar dele por meio de uma criação teórica, o Tipo
Ideal, que conforma os acontecimentos a uma orientação lógica e bem
fundamentada, mesmo tendo consciência de que nunca chegaremos à complexidade do
que realmente aconteceu.
Mario Xavier está ciente dessas limitações e por isso segue
à risca as trilhas dos documentos para haver o maior número de acertos
possível. Ele executa sua tarefa com a parcimônia de um ourives, elencando
habitantes, fazendo levantamento da produção local e cruzando fontes
institucionais, como os documentos do Exército, com as pistas deixadas pela
trajetória pessoal dos personagens, especialmente o Coronel (na época em que
dirigiu a colônia, mais tarde General) João José de Oliveira Freitas.
A narrativa, árdua em seus detalhes, torna-se mais saborosa
quando o autor aborda a vida do militar,discorrendo sobre sua formação escolar
e profissional (foi engenheiro e agrimensor), a decisão de se alistar como
voluntário da Pátria na Guerra do Paraguai, sua carreira na caserna, seus dois
casamentos e 21 filhos (sendo que alguns nasceram no meio da jornada à frente
da colônia), os inúmeros feitos e enfim a aposentadoria e morte.
O que me surpreendeu foi que o Coronel Freitas, que perdeu a
mãe muito cedo, foi enviado pelo pai à minha cidade, Uruguaiana, na época ainda
uma vila, onde recebeu a proteção do professor Fernando Vieira de Carvalho, que
é pai do Marechal Setembrino de Carvalho, uma figura importante na História do
Brasil, principalmente pela sua ação na guerra do Contestado e na repressão aos
movimentos revoltosos dos anos 1920 como ministro da Guerra.
Assim, graças ao trabalho brilhante de Mario Xavier, temos
contato com aspectos pouco conhecidos do Brasil profundo. Na sua abordagem
ética, o autor nos estimula a procurar outras fontes sobre o assunto, citando
sempre os que são pioneiros no levantamento da história do oeste catarinense.
Livro merecedor de leitura atenta, por contribuir para desvendar as camadas
ocultas do nosso passado, tão pouco conhecido em sua profundidade. A orelha é
do jornalista Moacir Pereira, um dos
incentivadores do projeto (apoiado por várias instituições), o prefácio do
professor Paulo Pinheiro Machado e a apresentação do General Antônio Carlos de
Oliveira Freitas.
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