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23 de março de 2016

UM RECORTE DO BRASIL PROFUNDO



Nei Duclós

Por mais de uma vez ao longo de 158 páginas, o jornalista e pesquisador Mario Xavier A. de Oliveira  chama de reportagem o conteúdo do seu livro -  "O Coronel Freitas e a Colônia Militar de Chapecó/ Os primórdios de Xanxerê e a colonização do Oeste catarinense" ( Editora Insular, 2016). Faz parte do seu rigor definir-se dentro do seu perfil profissional, mas o trabalho aqui transcende seu oficio. Há uma precisão de textos de mestrado, quando se alcança erudição num assunto, sem ainda propor uma tese, o que já estaria no nível de doutorado.

Xavier teve todos os cuidados de um scholar. Foi fiel às fontes, citadas exaustivamente nos oito capítulos, manteve firme o recorte do assunto, que é a implantação de uma colônia num território conflagrado pela disputa de fronteiras interestaduais e internacionais, se aprofundou no projeto imperial das colônias militares (depois abraçadas pela República) e seguiu os passos de seus protagonistas, os militares que lideraram o processo nos ermos da mata, gerando assim não apenas uma colônia bem sucedida, mas novos municípios e estradas, contribuindo decisivamente para a ocupação e delimitação das fronteiras da região.

Xavier não se desvia do assunto e intensifica o apoio de fontes valiosas, seguindo a lição dos historiadores de conseguir decifrar momentos, épocas e personagens por meio de algumas pistas, como relatórios, cartas, documentos de caserna, tradição familiar oral dos descendentes etc. Isso veste o livro de uma sobriedade suficiente para nos convencer de que esse quadro minuciosamente desenhado pela pesquisa e o texto está plenamente sintonizado com os fatos do passado.

Weber nos alerta que o passado é incomensurável, não pode ser medido,capturado em sua totalidade. Não há como acessá-lo de maneira completa, apenas nos aproximar dele por meio de uma criação teórica, o Tipo Ideal, que conforma os acontecimentos a uma orientação lógica e bem fundamentada, mesmo tendo consciência de que nunca chegaremos à complexidade do que realmente aconteceu.

Mario Xavier está ciente dessas limitações e por isso segue à risca as trilhas dos documentos para haver o maior número de acertos possível. Ele executa sua tarefa com a parcimônia de um ourives, elencando habitantes, fazendo levantamento da produção local e cruzando fontes institucionais, como os documentos do Exército, com as pistas deixadas pela trajetória pessoal dos personagens, especialmente o Coronel (na época em que dirigiu a colônia, mais tarde General) João José de Oliveira Freitas.

A narrativa, árdua em seus detalhes, torna-se mais saborosa quando o autor aborda a vida do militar,discorrendo sobre sua formação escolar e profissional (foi engenheiro e agrimensor), a decisão de se alistar como voluntário da Pátria na Guerra do Paraguai, sua carreira na caserna, seus dois casamentos e 21 filhos (sendo que alguns nasceram no meio da jornada à frente da colônia), os inúmeros feitos e enfim a aposentadoria e morte.

O que me surpreendeu foi que o Coronel Freitas, que perdeu a mãe muito cedo, foi enviado pelo pai à minha cidade, Uruguaiana, na época ainda uma vila, onde recebeu a proteção do professor Fernando Vieira de Carvalho, que é pai do Marechal Setembrino de Carvalho, uma figura importante na História do Brasil, principalmente pela sua ação na guerra do Contestado e na repressão aos movimentos revoltosos dos anos 1920 como ministro da Guerra.

Assim, graças ao trabalho brilhante de Mario Xavier, temos contato com aspectos pouco conhecidos do Brasil profundo. Na sua abordagem ética, o autor nos estimula a procurar outras fontes sobre o assunto, citando sempre os que são pioneiros no levantamento da história do oeste catarinense. Livro merecedor de leitura atenta, por contribuir para desvendar as camadas ocultas do nosso passado, tão pouco conhecido em sua profundidade. A orelha é do jornalista Moacir Pereira,  um dos incentivadores do projeto (apoiado por várias instituições), o prefácio do professor Paulo Pinheiro Machado e a apresentação do General Antônio Carlos de Oliveira Freitas.



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