18 de junho de 2012

BRINDE

Nei Duclós

Lacei teu coração, os ombros vieram de brinde.

O poema é coadjuvante. O papel principal é do teu gemido, que inaugura a noite.

Brincas comigo, portento. Aproveitas que sou teimoso. Não desisto de ti, nem por um decreto.

Tens o nome composto como se fosses duas. Te chamo pela metade. A outra vem junto, com ciúme.

Não posso falar da tua beleza. Ela te pertence, não consegues ter noção. Precisarias ser outra pessoa para perceber. Por isso insistes em dizer que não existe nada de mais, esse troço que é teu e provoca terremotos.

Não posso dizer que te amo. Fui atingido, mas Cupido está demorando. Falta te acertar, alvo mutante.

Não me queira só um pouquinho. Diz apenas só um pouquinho que me quer.

Enquanto ao redor o lodaçal do desamor impregna as criaturas, nós dividimos o mesmo espaço de doçura, neste lugar herdado das divindades.

O poema serve para outras coisas. Mas prefiro esta, a que nos mata num só corpo.

Melhor esperar que o dia se instale definitivamente. Nada de querer que ele fique preso em nossos braços. Não podemos cruzar o tempo grudados desse jeito, cama de sonho.

É cedo para falar dessas coisas, por isso guardo o verso, dobrado em tuas rendas, que jogaste no piso encerado da manhã esplêndida.

É muita coisa, disse ela, dá um tempo. Não tenho tempo para dar, disse ele. Posso vender, em troca de um beijo.

Estive no teu território. Estava molhado. E não era chuva, e sim o vaso quebrado do teu sonho quando cheguei perto.

Não lembro daquele lugar. Só de ti, apontando o horizonte.

Não te dou espaço para respirar. Fecho todas as frestas do teu olhar, fôlego curto.

Toda de seda e renda fazendo barulho quando caminha. Vinda de um outro tempo, que só existe dentro.

Quando isso vai parar? ela perguntou, atônita. Nunca, respondi. Achei petróleo. Agora pontifico no fórum dos amores.


REDOMA

O tempo combina conosco. Parece infinito numa redoma. Custa a passar como os ferimentos. E de repente acaba, num súbito bater de asas.

É só o inverno. Quando passar, voltaremos a pleno. Avessos ao frio que nos mantém presos. Abertos como trilha no sereno.

No fundo nos faltam palavras para dizer a que viemos. Quando as encontramos, queremos repartir com alguém, para fazer sentido.

Disseste sim para o verso solitário. Ele tinha um certo charme. Parecia bilhete de alguém que conheceste. Sorria sob o chapéu de feltro.

Pensavas em mim quando senti um beijo, dado de olhos fechados e soprado pelo batom vermelho.

O domingo vai para o ralo como corrrenteza na sarjeta. Nosso sonho é barco de papel engolido pelo bueiro. Ficamos sós, nós, os amantes das estrelas.

O barulho da chuva que chega num sussurro são passos perdidos de criaturas abandonadas pelos seus autores.

Imaginas uma vida para mim, como num filme. Mas estou na fila da sessão das oito, alguns passos atrás de ti. Não me vês, distraída.

Passas rapidamente embutindo a despedida no beijo. Mal consigo pegar o ar que deslocas.

Eternidade é tarde de domingo contigo entre meus inúmeros rolos.


CIRCUITO

A poesia só faz sentido se ela extrapolar o seu circuito, negar o sarau entre amigos e partir para o front junto com a grossa soldadesca.

A beleza feminina é de outra natureza. Está acima do assobio da esquina. Tem quem goste, mas a maior porção da criatura supera o olhar do Mesmo.

A beldade acompanhada pelo poema não se presta ao folclore dos marmanjos.

Agora dance o minueto, pediu a anfitriã. Pensei que não seria punido por ter ficado bêbado, disse o poeta.

Um poeta não atende pedidos. Prefere cruzar o deserto e inventar o oásis.

Não me faça encomendas. Sou um malfeitor das letras.

Não me contrate para distrair os convivas. Não posso comparecer. Fui convocado para a linha de tiro. Sou especialista em escopeta.

Radicalizaste no adeus. Apagaste o poema.



RETORNO - Imagem desta edição: Yana Gupta.