21 de abril de 2005

O NECESSÁRIO EXERCÍCIO DA DIALÉTICA




Volto ao tema da dialética, aproveitando o fato de que as provocações do Diário da Fonte estão dando resultado. Dialética, a filosofia do conflito, é como aquela tela do hospital: enquanto houver vida, o pingo de luz pula, quando nada mais há para fazer, o traço se impõe. A morte do pensamento é acomodar-se. Todos viraram modernos e progressistas. Arre, não existe ninguém mais que pense diferente? Não se trata de dividir as pessoas entre conservadores e progressistas, como faz a mídia, tão vendida e tão metida a vanguardista. A diferença principal está entre os que se acomodam a idéias fixas (principalmente as tidas como muito modernas) e as que não se submetem a uma camisa de força filosófica. Ainda há a velha briga entre a metafísica e a dialética. Depois do modernismo veio o pós-modernismo, depois do pós-pós modernismo virá o quê? Como ficou chato ser moderno, disse Drummond de Andrade. Como ficou chato manter a velha metafísica travestida de roupa futurista, quis dizer o poeta. É preciso arriscar, jogar-se no abismo das possibilidades.

PRÊMIO - Inovoco o exemplo de Miguel Ramos, atual secretário de Cultura de Uruguaiana e meu amigo desde a infância, que foi descrito aqui no DF, mais de uma vez, como o maior ator do Brasil (junto com Othon Bastos). O próprio Miguel me dizia: menos, Nei, menos. Pois no dia 19 de abril ele ganhou o prêmio de melhor ator coadjuvante em Recife e foi eleito o ator mais popular do festival. Agora pode? É preciso dizer com todas as letras o que vai no teu espírito. Não tema ser rotulado disso ou daquilo. Voe. Pergunte: o que existe em comum entre Marx e Bento XVI? Nenhum dos dois é marxista. Marx odiava os marxistas, tanto que foi inventado o termo marxiano para definir os pensadores que não se alinham com a ortodoxia marxista. Qual o perigo do relativismo? Tudo vira relativo, acabou a dialética. Por que o aborto não pode ser considerado crime? É proibido? Encapsular o bicho com borracha também é algo definitivo? Claro que não. Só uma coisa é certa: o padre Marcelo Rossi tem que parar com os showmissas. Também precisa parar (acho até que já parou) de usar a concentração existente no mercado fonográfico e ficar lançando fogos de palha, sucessos religiosos duvidosos, inundando a paciência com seus cds. E de aparecer na Xuxa e outros programas de auditório com sua coreografia. Os verdadeiros artistas precisam ter vez na TV. Espero que tenha acabado a fase de reservar papéis coadjuvantes a Miguel Ramos. Papel principal para ele, em filme e em novela. Sorte nossa que ele se destacou em Cerro do Jarau, do excelente Beto Souza (que dividiu com Tabajara Ruas o roteiro deste filme e a direção do clássico Netto perde sua alma, filme que traz, por cinco minutos, a performance genial do nosso ator maior, fruto da fronteira, mas talento universal).

GUERRA - Ida Duclós me informa que Ratzinger foi o responsável pelo evento de reconciliação dos 60 anos da invasão da Normandia em 2004. Ou seja, confirma o que foi escrito ontem aqui, de que Bento XVI poderá ser fundamental para encerrar o ciclo de ressentimento e ódio provocado pela Segunda Guerra. O Brasil é um caso típico de conflagração sem nunca haver perdão. Duvidam? O desconhecimento das guerras internas, das unidades federativas que se enfrentaram em campo minado e na base do tiroteio, é a gigantesca pedra que tenta enterrar as diferenças. Mas a ferida está lá, jamais fechada. O Diário Catarinense colocou na manchete de que Alemão é o novo papa. O recado é explícito: os gaúchos queriam que o Papa fosse gaúcho, mas o Papa é catarina, ou seja, alemão, tem até parentes em Criciúma. Jamais houve um evento de reconciliação entre gaúchos e paulistas devido à guerra de 1932. Tudo isso parece bobagem, delírio de quem leu demais sobre as revoluções brasileiras, mas vejo o espírito de União (federal) completamente dominado pela divisão interna, federativa. O que impera são as bandeiras estaduais. A comunidade desperta paixão, o país continental leva ao bocejo. É preciso resgatar a memória, entender os processos, tocar na ferida, agir dialeticamente, na base da convivência democrática.

BENEDITOS - Não confundir São Benedito ou São Bento, do século VI, fundador da ordem dos beneditinos e um dos evangelizadores da Europa (que, sob o domínio árabe, precisava de resistência e união) com o São Benedito, negro, mouro, do século XVI, protetor dos negros. E devemos lembrar (como fez o Diário Catarinense) que Bento XV foi o Papa da Primeira Guerra, tendo em vão tentado entrar no esforço de pacificação. Na hora do armistício, deixaram o Papa Bento XV de lado. Fizeram um acordo cheio de ódio, os célebres Tratados de Versalhes. Se tivessem escutado aquele Bento, não teríamos o nazismo.

RETORNO - Desculpe, Tailor Diniz, não quis ofender Astor Piazzola, mas que o cara é um chato, é, apesar da magnífica Balada para um loco. Pode não ter nada a ver com a repressão da época da ditadura, mas houve uma coincidência aí. Não, Regina Agrella, jamais assistirei a uma missa do Padre Marcelo Rossi. Não tenho resistência cardiovascular para esse esforço dantesco. Sou do tempo da missa em latim com o padre de costas. Fui salvo pela revolução dialética de João 23. Preciso de avanço, preciso de repouso: o pingo de luz pula na tela e volta ao normal. Como digo no poema-bandeira Outubro, escrito em 1969: Posso voltar ao ponto de partida, mas luto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário