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17 de abril de 2005
O FOLHETIM ESTÁ EM CRISE
A overdose da literatura popular de massa na televisão via teledramaturgia deu sinais de cansaço no seu ponto mais sensível: o dinheiro que pode arrecadar pelo patrocínio que se orienta pelos níveis de audiência. Quando a novela América, de Gloria Perez, perde mais de dez pontos porque a personagem principal sussurra e todo o resto berra, segundo o diagnóstico que está na mídia, fica evidente que o folhetim está em crise e o motivo é um só: falta percepção do que ele deva ser depois de décadas de saturação. Pode-se argumentar que todos concordam num aspecto: o folhetim não deve ter qualidade, porque isso afastaria o povo de frente do vídeo. Acho que qualidade (música incidental, belíssimas tomadas da paisagem, diálogo perfeitos) só soma para o folhetim, mas não é aí que o bicho pega. O que vale é a intensidade da trama e seu encadeamento. Quando há intensidade, até música sertaneja ao fundo fica suportável, pelo menos para a maioria. Mas se houver bossa nova, fica muito melhor. O problema é que nenhum Tom Jobim segura um Começar de Novo , de Antonio Calmon, que acabou miseravelmente, ou uma cena com o Tião Boiadeiro, que Murilo Benício trouxe com tudo e acabou se perdendo com a crise.
RUMO - Uma novela perde a guerra quando não tem algo que a sustente (como a clássica situação do bebê perdido ou trocado, como aconteceu em Senhora do Destino, que tinha ainda de lambuja um exemplo real no caso Carlinhos) e um objetivo (achar o bebê perdido). A novela de Aguinaldo Silva ainda contava com um elenco primoroso de atores, como Raul Cortez, Renata Sorrah e José Wilker, que tornaram seus personagens inesquecíveis. Eles contrabalançavam a presença de atores e atrizes ruins, como Suzana Vieira, Carolina Dieckmann, José Mayer e Marilia Gabriela. América só tem bomba. E a culpa não é do diretor demitido, Jayme Monjardim, é da própria autora, que jogou no ar uma coisa sem prumo nem rumo. A crise de América não faz de Senhora do Destino uma maravilha. Aliás, na novela anterior houve uma profunda encheção de lingüiça inaturável, além do afastamento de Raul Cortez, o que acabou prejudicando tudo. Sem falar que Renata Sorrah ficou praticamente sozinha em cena e exagerou na sua performance, completamente tomada pelo sucesso, que virou-se contra sua personagem. A literatura popular não precisa obrigatoriamente ser ruim para fazer sucesso. Tem que ter algo que fisgue e encante. Normalmente os autores seguem as águas tradicionais ( a separação do casal que se ama, a vilã ou vilão explícito que encarna o mal para o Bem triunfar). A partir delas, é possível inventar (mudar o casal, como aconteceu com Suzana/Meyer, graças ao charme do ex-vilão Giovanni Prota, de Wilker; perdoar o vilão e assim por diante). Mas não é obrigatório seguir fórmulas consagradas, como por exemplo um crime misterioso que precisa ser desvendado. Pode-se criar algo novo para segurar a narrativa. América tem o quê? Uma viagem aos Estados Unidos que não ata nem desata, grupos de mulheres jovens atrás de machos, peruas enfastiadas fazendo compras e a ameaça de mais cenas do novo papa-anjo, o Edson Sempre ao Celular. O que se salva são os personagens cegos e a dupla de investigadores/mídia (Walter Breda e o filho do comediante Mussum, ambos ótimos). É pouco para agüentar o tranco.
MAU GOSTO - Ferreira Gullar decepciona novamente. Na Folha deste domingo, na sua coluna, ele tenta ser engraçado, talvez para compensar o excelente artigo da semana passada, em que denuncia o sistema de achaques da PM carioca. As piadas são sofríveis, fazem parte daqueles caras que se achavam o máximo por morar em Ipanema. Mas o que realmente choca não é a falta de humor, é o mau gosto. Chamar Doris Day, uma das mais belas vozes da música romântica e uma atriz razoável (bem melhor do que Madona, por exemplo, tanto na atuação quando na voz) de canastrona e que fazia papéis de solteirona é de uma injustiça sem fim. As comédias românticas da velha Hollywood são maravilhosas e dão de dez no folhetim execrável que a TV brasileira costuma difundir. Na época achávamos alienantes e ruins, mas secretamente víamos todas. Doris Day tinha talento, basta ver um dos filmes em que contracenou com James Cagney, Love me or leave me, de Charles Vidor, que eu vi numa alta madrugada graças ao Programador do Traço. E dava banho em qualquer Débora Secco diante da sua rosebud de camelô sussurrando asneiras. Ferreira Gullar é um tremendo poeta, um dos melhores que existe no Brasil. Por que diz tanta bobagem? Ok, é um direito seu. O que não dá para perdoar é Boris Fausto, que para variar investe contra Getulio Vargas no seu artigo no Mais! sobre a relação entre Igreja e o Estado no Brasil e na Argentina. Boris Fausto fala no primeiro longo governo de Getulio, de 1930 e 1945, o que não é apenas imprecisão histórica, é sacanagem. Houve três governos no período citado: de 1930 a 1933, Governo Provisório; 1934-1937, governo eleito pela Assembléia Constituinte, por parlamentares escolhidos pelo voto direto, sendo que pela primeira vez as mulheres também votaram; e 1937-1945, regime do Estado Novo, de exceção, que coincidiu com a grande crise da guerra mundial.
RIO ANTIGO - Boris Fausto tem algo em comum com a Veja: não reconhece em Getúlio Vargas nosso estadista maior. A capa da Veja é sobre o Rio antigo, esplendoroso. Faltou dizer: o Brasil da era Vargas. Isso eles não dizem. Tudo o que o Brasil teve de bom de 1930 a 1954 (Gustavo Capanema, Heitor Villa Lobos, Radio Nacional, literatura de primeira água, música que fez História etc.) não é atribuído a Getúlio. É atribuído a quem? Ao imponderável. No fundo dizem: a era Vargas foi genial, mas Getúlio não prestava. Então, tá.
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