Nei Duclós
A chave para
decifrar dois filmes, um chinês, Pérolas no mar, de 2018, e A Travessia, de
2015, ambos na Netflix, são as cenas em que os protagonistas se deparam cara a
cara com o seu sonho, que significa anular todo o entorno e enxergar apenas o
que foi projetado como o evento mais valioso de toda uma vida. O rapaz que
perde o grande amor porque se concentrou demais no jogo de computador, que
narra o desencontro amoroso, consegue ver o que projetou quando há a separação
e daí vem sua fortuna. Enquanto o equilibrista francês Phillipe Petit que em
1974 cruzou clandestinamente oito vezes numa só manhã o espaço de 44 metros
entre as torres gêmeas (de 400 metros de altura) em Nova York, sem cabo de
segurança, só consegue sua façanha quando todo o entorno some e fica ele apenas
diante do fio que o levará ao infinito e o vazio que poderá tragá-lo, mas que
no fundo o inspira.
Os dois
filmes abordam o sonho íntimo e pessoal do cinema dos protagonistas, que
inventam uma saída para suas vidas e seu anonimato arriscando tudo o que
atrapalha no entorno. Pois nada importa para o chinês que visita a família todo
ano novo ou o equilibrista que
desenvolve sua arte virando artista de rua. Ganhar a vida com malabares ou vendendo
discos piratas de jogos no metrô e nos túneis de Pequim são a tralha cotidianas
de jovens que só poderão ascender pelo desafio extremo, arriscando tudo. Para
isso criam o cinema que lhes diz respeito: na tela do computador, ou no espaço
aéreo de Nova York, o sonho se realiza pela invenção do que realmente interessa
para eles.
Os
espectadores podem se enrolar na visão múltipla da China Continental e suas
paisagens, de Pequim e seus problemas e promessas, da Paris com suas chuvas e
pobrezas, de Nova York com seus perigos e encantos. Mas o cinema mesmo é o que
cinema trata: as imagens e sons do equilibrista solitário com sua percepção
única do abismo e sua frágil ponte, e o especialista em software que acredita
na sua história e se concentra nela até conseguir dar o salto.
Dois grande
filmes. Pérolas no mar (o presente prometido do verdadeiro amor) é de Rene Liu
cm o casal de intérpretes Boran Jing e Dongyu
Zhou. Phillipe Petit é interpretado por Joseph
Gordon-Levitt no filme de Robert Zemeckis. A mocidade ajuda o mundo a se
superar pelo esforço e o talento. E o cinema é seu íntimo testemunho.
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