Nei Duclós
Bird Box
(2016, Netflix) , de Susanne Bier, com Sandra Bullock e John Malkovich, roteiro
de Eric Heisserer sobre livro de Josh Malerman, é a longa jornada de uma
pintora que é obrigada pelas circunstâncias – o suicídio da população - a
assumir a indesejada maternidade. Ela estava confinada em seu apartamento,
desconfortável em relação à gravidez, participando da sedução do olhar, criando
imagens para o mundo dominado pelo visual. Para assumir seu filho – e de
quebra, a filha que a amiga lhe confiou antes de se matar - precisava romper
com esse vínculo e isso acontece quando o mundo inteiro se corrompe pelo olhar.
Ver é o
verbo do cinema. Assim como Chaplin pergunta para a florista que foi cega se
agora podia ver, como Spielberg que mostra a invasão alien por meio de robôs
com olhos poderosos, como Kubrick que mostra a necessidade da elite de não ser
vista, como Fernando Meirelles baseado em Saramago que confina as pessoas cegas
num cenário apocalíptico, também a diretora de Bird Box mostra que renunciar a olhar
o que está fora de casa e ficar vendo só o que esta dentro de si mesmo pode ser
a salvação.
O que leva
as pessoas ao suicídio? A visão de algo assustador. Quem sobrevive a essa crise
terminal são os que tapam os olhos e se refugiam em casas abandonadas com as
janelas fechadas. Há os que enxergam o Mal mas continuam vivos, tentando levar
os que restam do massacre ao caos que eles agora compartilham, a exemplo do
clássico Vampiros de almas (de Don Siegel, 1956), em que os habitantes de uma
pequena cidade aos poucos são levados a mudar de personalidade e apoiar os
invasores extraterrestres. Esses traidores usam a voz para convencer as pessoas
a tirarem as vendas dos olhos e assim cair na armadilha.
Bird Box
clona bastante o filme de Meirelles baseado em livro de Saramago, mas se
sustenta com suas particularidades e as performances dos astros Sandra e
Malkovich, que encarnam o conflito da mulher lúcida contra o imbecil grosseiro.
As mulheres são sagradas – a irmã, a amiga, a médica – e os homens essas criaturas
asquerosas, com exceção, claro, dos personagens negros, o atendente gordinho de
supermercado e o amante musculoso, que se sacrificam pelo bem de todos. Os
brancos malvados também morrem, mas sem dignidade.
Os heróis
são os pássaros, que alertam para o Mal. Quem se salva são os cegos, que não
são seduzidos pelo olhar. A natureza foi dominada pelo crime e pela sombra, mas
fica uma esperança de que isso possa ser revertido a partir das lições
aprendidas.
Um bom filme
sobre o olhar – ou seja, sobre cinema.
Gostei tanto do seu comentário que vou imaginar o filme! bjs
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