Nei Duclós
Pela primeira vez te chamei de querida. Houve um estrondo
mudo nos confins da tarde. Era o sonho saindo do casulo.
Que amor é esse que desperta sem esperança, só pelo prazer
de acordar e fazer festa?
Eras minha antes de ser vista. Estavas em mim como dentro da
pedra bruta, a ametista.
Eu de sonho estou lotado. Vens para derrubar as ilusões da
temporada. Viajas em mim como pássara de seda. Zeras minhas fantasias e ocupas
teu espaço, eliminando o vazio enorme do coração exausto.
Só mesmo tu, bela, para me devolver a poesia, nova como gota
de orvalho em pétala. Estava cansado de mexer nos arquivos, mortos de tédio.
O mar te beija pelas costas. A areia te pega de jeito. Tudo
sou eu e meu delírio supremo.
Tens o cuidado de ficar sem companhia nas imagens que me
mostras. É uma sugestão para que eu faça parte da foto.
A bandeira venta, estou
perdido. Faça de mim instrumento da tua vontade.
Está combinado. Te quero de verdade. Não sei o que farás com
esse toque. Coloque em teu seio, majestade.
A extrema beleza é o recado explícito da divindade, que
resgata o Paraíso, quando sentimos pela primeira vez o calorão que nos devasta.
O amor estava de tocaia em teu sorriso esplêndido. Quando me
aproximei, vi que ele era o detalhe da tua personalidade, perfeita dentro,
fora, de cima a baixo.
Que fazes longe de mim, inigualável? Te vi primeiro entre as
beldades. Agora o sol já vai alto. Desista de pedir trégua.
És tão bonita que corro o risco de repetir o erro, só de
pânico: o de tentar escapar depois do laço.
É amor, novamente. Que posso fazer? Cometemos sempre o mesmo
desatino. Armadilha desse evento bizarro, a vida.
Teu nome é pedra preciosa no fundo do regato. Sou o barulho
da corrente que desce até o vale.
E depois? me perguntas. Não sei. Só tenho o mapa do
sentimento, não da profecia.
Vou te esperar na praça. Sou o cara da flor, um pouco alto.
Esperei muito e o vinho foi farto. Mas releve. Direi o que sei. Te amo,
desesperado.
Estou contigo em toda tua viagem. Embarcas, voas, descansas
e minha voz te beija, amor que nem começa.
Não te conto nada. Só te peço um tango, bem cruzado.
Estreei uma sinfonia em tua
homenagem, mas abandonaste a sessão no segundo movimento. Mais tarde, quando
tudo terminou, fui no teu camarote sentir o perfume.
RETORNO – Imagem desta edição: Priscila
de Gustin.