Nei Duclós
Não sou
porto nem ilha, mas o que passa sem ser o tempo, o que fica pedindo auxílio.
Sozinha, tens a companhia do inseparável sentimento. Fonte
sem proveito, arrulho de neblina.
Um dia perfeito de agosto se despede. Prévia do verão, tom
de primavera. Dizem que vem friaca de novo. Valha-nos
Invento que és minha e sentes, à revelia, um tremor nas
pernas. Será o vento?
Me visitas, esquecida do amor que havia nas palavras. Mas
resisto e te espero na próxima curva.
Vestes uma saia, do verbo sair. Uma blusa, do verbo bulir.
Um sapato, do verbo tirar. Uma luva, do verbo luar.
Te peguei pela palavra. O resto veio abaixo.
De novo foste embora, reincidente. Vão prendê-la por
desacato. Amor é autoridade no pedaço.
Te esperei no aeroporto até o século seguinte. Tinhas mudado
de rota, à revelia da minha esperança.
Escancarada. Palavra rota e suada. No auge, reparte. Na
ressaca dá remorso, mas depois pede de volta
Quando pegaste aquele avião, minha vida foi embora.
AGIR É VERBO
Deus é obra do acaso, mas nunca foi forte em arqueologia.
Realidade é a incorporação e manifestação da palavra. Agir é
um verbo. Poesia, portanto, não é devaneio. É invenção do real, concorre com o
poder.
Poesia é palavra, realidade. Como o resto da realidade, pois
estamos cercados de palavras.
RETORNO – Imagem destga edição: Cristiana Carvalho.