8 de junho de 2006

PRÓXIMOS DEMAIS DE RUANDA





O uso de grupos agressivos para objetivos políticos, como aconteceu na invasão do Congresso anteontem, tem um precedente histórico de brutalidade: os ataques dos nazistas. Há pouco tempo (parece que nem aconteceu, o assunto sumiu da mídia) mais de 200 mortos foi o resultado de dois massacres em São Paulo: um por parte do crime organizado e outro de autoria de encapuzados a serviço da vingança. Diariamente, o que chamam de briga entre grupos do tráfico deixa um saldo tenebroso de vítimas, enquanto os esquadrões da morte continuam, assim como continua a ditadura. O subproduto desse tipo de ação é a total falta de controle, como aconteceu em Ruanda em 1994, quando um milhão de pessoas foram assassinadas sob a omissão da ONU e das superpotências. A história está contada de forma brilhante no filme Hotel Rwanda (2004), de Terry George, com Don Cheadle e Sophie Okonedo (nos papéis de Paul e Tatiana Rusesabagina), ambos indicados ao Oscar.

CORAGEM - No making off, o roteirista Keir Pearson (também indicado ao Oscar) conta como se dedicou um ano para escrever a história nas horas de folga do trabalho, nos fins de semana e nas férias. Quando vemos o filme pronto, qualquer filme,m dizemos: achei isso e aquilo, mas não atentamos para a grande dificuldade, a escassez que é conseguir concretizar um projeto que envolve milhares de pessoas. Tabajara Ruas, que está com seu segundo longa-metragem praticamente pronto, me dá detalhes do esforço coletivo (que ele chama de estiva) que é colocar uma história na tela. Muitos críticos jamais foram a um set de filmagem, não sabem como funciona a arte que eles comentam com tanta sem cerimônia. Posso dizer que sou um deles, pois meu contato com a sétima arte na fonte resume-se a algumas incursões em curta-metragem, isso na Idade da Pedra, há uns mil anos. Outro mau hábito é achar que os americanos e europeus fazem filme na maior facilidade, já que possuem sólida indústria. Ver Hotel Rwanda nos diz o contrário. É um trabalho árduo, que exige determinação, coragem e respeito pelos outros povos.

ÓDIO - Numa das cenas mais trágicas, o gerente do hotel pede para esposa se atirar do terraço quando as milícias chegarem com seus facões. O que assusta no filme é o descontrole da massa armada, que decide colocar em prática o ódio açulado pelos interesses políticos de grupos internos poderosos,e pela mídia. Uma estação de rádio que inocula o ódio é o destaque do filme. Por meio do incentivo à violência o locutor invoca argumentos históricos para que o hutus aniquilem os tsutis. No filme, ficamos sabendo que essa divisão da população (que não existe nem na pele, o biotipo, nada) foi inventada pelos belgas, que assim dividiram para poder reinar no seu império colonial, que foi retratado por Joseph Conrad em Coração das trevas. Hoje vemos no Brasil a divisão entre playboys e manos, entre policiais e presidiários, entre petistas e tucanos, entre os que são daqui e os que não são daqui. Há ódio no ar e o Brasil está próximo demais de uma explosão. Besteira, dirão, somos pacíficos. Quem dera. O volume crescente da matança aponta o pior caminho. Um dos sintomas é o bom mocismo de quem deveria tomar providências. Na hora do pega, os bons moços estarão muito bem protegidos, como aconteceu em Ruanda, quando os brancos se retiraram , abrindo as portas para o horror.

PAZ ? Outro filme, In my country (2005), de John Boorman, com Samuel Jackson e Juliette Binoche, descreve o trabalho da comissão que percorreu a África do Sul depois da vitória de Mandela. O objetivo era fazer com que os criminosos confessassem para conseguir anistia. O método foi criticado, pois deixaria impunes os torturadores e assassinos. Mas o filme aposta no perdão, única forma de a nação continuar viva. Os detalhes sobre as crueldades praticadas pontuam a história, numa seqüência que nos lembra a quantidade de casos parecidos que temos no Brasil, desde quando esta ditadura aqui se implantou em 1964. A dolorosa experiência do continente africano nos últimos anos nos revela o quanto corremos perigo aqui nesta terra sem lei, em que a ganância abusa da paz e cava um fosso que precisamos evitar com todas as nossas forças. Paz, paz, paz.

ROTEIRO - Imagem de hoje: Sophie (no centro) e Don (à direita) no filme Hotel Rwanda.

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