13 de junho de 2006

A HISTÓRIA NÃO É VISÍVEL A OLHO NU





A pretensão maior da mídia é achar que faz História. Ou que a História será sempre vista como ela, a mídia, a descreve. O vício de achar que a História pode ser vista a olho nu leva os jornalistas a falarem em momento histórico a três por quatro. A História é uma ciência humana que tem instrumentos poderosos na obra dos mestres, de Heródoto a Marx, e é criada pelo pensamento produzido a partir de informações do passado, dos vestígios. Não depende de uma câmara apontada para o muro de Berlim sendo demolido e alguém dizendo isto é História. Nem o choro convulso de Zagallo diante de Pedro Bial, no JN (vão matar o Zagallo, parem com isso!), falando sobre suas Copas é História. Tampouco os lances da vitória ou da derrota do Brasil. O cruzeiro cultural de Um filme Falado, de Manoel de Oliveira também não é História, é cinema. Ver é cinema, resgatar é História. História é um texto como o "18 Brumário de Luis Bonaparte", de Karl Marx. Ou "Caminhos e Fronteiras", de Sergio Buarque de Holanda. O resto é intervalo entre dois anúncios.

AULA - Manoel de Oliveira surpreende por ser amador na sua radicalidade anti-hollywoodiana e revelador por nos mostrar o mundo que a indústria de cinema esconde. As cidades que filma, como Lisboa, Marselha, Istambul, Atenas, são integralmente visíveis, ao contrário das representações inventadas nas megaproduções. Sua trama é didática: a visita aos vestígios históricos ao longo do Mediterrâneo e do Mar Vermelho, poderia ser encarada como um aula de História, mas é exatamente o contrário. A professora que tem tudo gravado na memória e que procura ver nos monumentos (que visita pela primeira vez) o que repassa aos seus alunos na Universidade, explica a História para sua filha de dez anos. Ela vê o que acha que já sabe. A visão linear e ingênua, de conceitos bem definidos, como civilização e barbárie, ou mito, realidade e lenda, é reforçada pelos outros visitantes, que as acompanham no tour feito de navio. O desfecho é utópico: pessoas de diferentes línguas confraternizam em torno de uma mesa de restaurante projetando uma época de ouro de paz na diferença. Mas a trama é apunhalada pelo que se opõe às certezas culturais e confirma a decadência como final óbvio para mais uma fase da civilização. Tudo tem aquela objetividade sincera dos portugueses, pessoas práticas que definiram um chão sólido para seus sonhos. A História não está nas pirâmides, mas na contradição entre intenção ( o jantar elegante) e o fato (a explosão).

MENTIRAS - Uma cerveja que se notabiliza pelo gosto horrível, e em alguns lugares, pelo monopólio do mercado, está com uma campanha no ar contra seleção argentina. É um crime que merece punição. Toda essa gargalhada poderá se voltar contra o Brasil. É preciso respeitar os adversários, as outras culturas e povos. É preciso tentar enxergar a diversidade de cada nação e não tentar enquadrá-las em nossas pré-determinações. Se Maradona não era de confiança ao dopar Branco em 1990, como confessou rindo num programa de rádio, não quer dizer que devamos cevar o ódio aos argentinos. Rir da camisa azul e branco é um acinte. Parafraseando o craque Ronaldo: assim como deve ser mentira que os argentinos são uns bobalhões em campo, como mostra a publicidade em questão, deve ser também mentira que a referida cerveja tem gosto de mijo pôdre. Uma cerveja que dispensa intermediação dos rins. Já é o mijo engarrafado. Por supuesto.

RETORNO - 2. Imagem de hoje: protagonistas de "Um Filme Falado", de Manoel de Oliveira, olham para a câmara, ou melhor, para os escaravelhos egípcios. Eles vêem o mito nas pequenas esculturas (que estão exatamente no lugar do nosso olhar) ou apenas nos encaram? 2. Fim da candidatura Simon: conseguiram. Vamos ver como seguirá a campanha.

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