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10 de junho de 2006
AS CIDADES LIMPAS DE WOODY ALLEN
Woody Allen decidiu ser um clássico especialmente a partir de Manhattan, a porção novaiorquina em preto e branco que resgatou a magia perdida do cinema. O cenário limpo de suas cidades inexistentes (como acontecia nos filmes tradicionais) ambienta sua obra, que é pura reverência. Não bastou clonar Bergman, foi preciso ir atrás de Hitchcock de Pacto Sinistro, como prova Match Point (2005), o thriller que nos traz a Londres vista pela elite (sem miseráveis à vista), numa trama inspirada em Crime e Castigo de Dostoieweski. Esses cruzamentos já foram apontados pela crítica, confirmando o que percebi ao ver o filme ontem sem ainda ter lido nada sobre ele. Para contribuir um pouco com a abordagem do cinema de Allen, lembro ainda o diretor George Sidney de "The Eddy Duchin Story" (1956), com Tyrone Power e Kim Novak. Nada a ver com o drama, já que Sidney pertence a um tempo em que havia compaixão, o que não acontece atualmente. Mas com a limpeza do cenário, as cidades na qual moramos na imaginação e que me convenceu por muito tempo de que elas eram assim mesmo, até conhecer Rio e São Paulo e descobrir que o mundo era diferente do que o cinema mostrava.
CHARME - Ou melhor: minha percepção não batia com a versão cinematográfica das grandes cidades. Mesmo o cinema brasileiro das chanchadas trazia essa limpeza urbana que sustentavam os sonhos românticos. É bom viver nas cidades brasileiros do cinema dos anos 40 e 50, assim como sonhávamos morar naquela Nova York sem barulho, rica e cheia de charme dos musicais e das comédias românticas. Woody Allen é talvez o único cineasta que hoje não presta homenagem ao caos urbano. A cena da nova casa do casal Chris (Jonathan Rhys Meyers) e Chloe (Emily Mortimer), é reveladora: não pode existir aquela parede envidraçada que dá para o Tamisa e os prédios históricos de Londres (se existe, jamais pode ser uma residência). É a representação da felicidade ameaçada pelo lado escuro do alpinista social. Chris e Nola (Scarlett Johansson) estão degraus abaixo na escada social e eles encarnam a vilania que confronta as ditas pessoas de bem (a família de milionários especuladores do sistema financeiro globalizado). O aspecto tradicional do filme é reforçado pelas cenas nas grandes galerias, onde uma arte dita moderna serve de ilustração para um sistema de classes que deveria ser bem resolvido. O equilíbrio da vida social e familiar é apenas uma casca, a paixão de Allen pelos clássicos. Ele apenas quer resgatar esse mundo para colocar nele as relações sinistras entre cidadãos civilizados. Sua trama gira em torno de uma aparente sucessão de conquistas para um desfecho de tiros e sangue.
ESTILO - Allen não tem pressa e vai levando o espectador pelo olhar complacente desse mundo ilusório, em que os bairros pobres não exibem uma única pixação e os policiais ainda possuem aquela discrição dos romances policiais antigos, mais para Conan Doyle e Agatha Cristie do que para Dashiell Hammet. A resolução de um crime não vem pelo raciocínio, mas pelo sonho. No momento em que o bom senso é erradicado da vida normal, só o delírio, ou a assombração,pode nos devolver à especulação filosófica. O diálogo com os fantasmas é esse absurdo que traz um pouco de lucidez a uma história que não funciona mais na vida real e só na vigília é capaz de se resolver. O resultado é um impasse: a justiça não é feita, a razão fica a serviço do assassino e a sorte, que imaginávamos ter mudado de lado, continua a favor do Mal. A luz dos cenários limpos contrastam com o veludo sombrio de momentos que parecem tirados de riscos de xilogravura, do design adotado em algumas escadarias das graphic novels. Allen usa os recursos e instrumentos que dispõe (sua opção pela ópera como fundo musical foi decidida pela falta de dinheiro de mandar compor algo especial para o filme). É um estilo feito de colagens do que existe de permanente na arte.
RETORNO - 1. Imagem de hoje: Scarlett Johansson com Jonathan Rhys Meyers, numa Londres limpa, de táxis pretos e ambientes clássicos. 2. O Ágrafo Sem Noção (Asno)perguntou se nosso craque estava gordo. Não existe pior ofensa do que comentar a aparência alheia. O desplante com que a idiotia foi pronunciada é o mesmo do desmentido via fax. Pelo menos o craque soube dar uma resposta à altura. 3. Vai votar em urna eletrônica? Veja o que diz Pedro Antonio Dourado de Rezende na sua denúncia. Pedro é matemático, professor de Ciência da Computação na Universidade de Brasília, Coordenador do Programa de Extensão em Criptografia e Segurança Computacional da UnB, representante da sociedade civil no Comitê Gestor da Infra-estrutura de Chaves Públicas brasileira.
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