11 de agosto de 2004

O JORNALISMO NA CAMISA-DE-FORÇA

Há grande polêmica sobre o Conselho Federal de Jornalismo. Quando existe grita geral contra determinado ato político, usam-se os jargões antigetulistas. Isso é estadonovismo, isso é coisa de pelego e por aí vai. Ou seja, os crimes do atual corporativismo triunfante são atribuídos ao pobre do Getúlio Vargas. Esquece-se que, na atual ditadura civil, o jornalista vive numa camisa-de-força cada vez mais apertada, pois apostou no enquadramento total da profissão e isso foi usado para imobiliza-lo. Enquanto isso, as empresas de comunicação fazem o que querem e impõem seus interesses passando por cima do jornalismo.

MICO GERAL - A questão do diploma obrigatório, que expulsa da profissão pessoas formadas em outras faculdades importantes, como Economia, Direito, História, virou uma armadilha. Agora quer-se amarrar o jornalista ao tal Conselho, que pode impedir o exercício da profissão para quem não pagar anuidade, por exemplo, conforme li no Comunique-se. O enquadramento total tenta garantir reserva de mercado para a multidão despejada pelas faculdades de jornalismo, mas o tiro saiu pela culatra. Profissão da moda, todo mundo quer ser jornalista e tem gente trabalhando de graça por uma oportunidade. Grandes profissionais já desistiram de lutar e refugiaram-se nos livros, no jornalismo empresarial, na aposentadoria, no exílio, ou em algum negócio próprio que nada tenha a ver com redação. Muita gente boa, no pico das suas capacidades, vê-se na rua mendigando frilas, pois para isso que serve o império da merreca: desvincular a cidadania da sobrevivência para poder manipulá-la. No excesso de oferta, pessoas de muito talento que acabam de sair das faculdades precisam medir forças com outras que nunca leram nada, que jamais produziram pensamento e são incapazes de ouvir quem quer que seja.

PARADOXO - Mas há um paradoxo: se o diploma obrigatório faz jornalista sair pelo ladrão, por que acabar com esse instrumento? Acho que o jornalismo deveria atrair, como sempre fez, apenas as pessoas vocacionadas, estejam onde estiverem no grande arco de formação profissional e intelectual. Alguém que fez Física pode muito bem, com um pequeno treinamento, detonar nas matérias de ciência e tecnologia. Isso sempre serviu de peneira no jornalismo. Com a obrigatoriedade, gente que nunca teria uma chance no esquema tradicional de vocações que se impõem, acabam tomando ares de jornalista sem terem pisado numa empresa de comunicação. A formação do ensino superior para o jornalista deveria continuar como opcional e também complementar uma formação mais pesada. Vejo o jornalismo como pós-gradução. Acho um escândalo que estudantes de jornalismos e mesmo recém-formados jamais tenham lido um livro (Notícias do planalto não vale). Conheci várias pessoas assim, ninguém me contou. A leitura e análise de livros deveriam ser obrigatórias, mas de maneira intensa. As empresas de comunicação, tão à vontade e muitas sem redações, só com departamentos comerciais, deveriam ter bibliotecas dentro delas, com bibliotecária formada fazendo o acompanhamento das leituras e a produção de papers sobre cada livro lido. Um jornalista que nunca leu as memórias do Samuel Wainer, escritas pelo Augusto Nunes, não pode se dizer jornalista. Você fala em Samuel Wainer e há um grande ponto de interrogação na cara de muita gente.

BALCÕES - Onde estamos? Na ditadura civil, claro, que leva em rédea solta a produção de veículos de comunicação e tenta enquadrar até o osso os jornalistas, que agora esperneiam contra os excessos corporativos. É preciso garantir o livre exercício da profissão sem enquadrar o jornalista, mas as empresas. Matéria paga em revista semanal disfarçada de grande reportagem? Não pode. Deveria dar multa pesada. Como há muita competência hoje no jornalismo empresarial, esse nicho tem se aproximado da linguagem jornalística. Isso dá elegância e credibilidade a um veículo corporativo. Do outro lado do muro, os jornais e revistas parecem grandes balcões de negócios, com a publicidade escancarando seu poder no meio das reportagens. Anúncio no lugar de olho pode? Capa de caderno cultural, inteira, fazendo propagando de jeans? Quero minha profissão de volta.

RETORNO - Embaixo do artigo de Edson Sardinha sobre o CFJ, no Comunique-se, coloquei o seguinte comentário: A ditadura civil, sistema político que nos governa (seja qual for o governo), conta com o apoio do corporativismo dos jornalistas, que ao defender a profissão partiram para o engessamento do perfil profissional, com graves conseqüências, agora tornadas explícitas. O jornalismo é um ofício que precisa ser protegido no atacado, a empresa de comunicação, e não no varejo, o exercício da profissão. A empresa de comunicação não deveria poder colocar o tacão dos seus interesses sobre uma profissão que deve garantir a livre expressão da opinião pública. Por isso a empresa precisa ser regulamentada. E o jornalista não deveria estar cerceado, para garantir a livre circulação de idéias. Por isso não deve ser regulamentado. Mas trocou-se as bolas. As empresas de comunicação deitam e rolam e os jornalistas estão cada vez mais na jaula. O resultado é o prejuízo financeiro e falta de credibilidade dos veículos de comunicação e o empobrecimento profissional e pessoal dos jornalistas.

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