15 de agosto de 2004

A CENSURA FUNCIONA ASSIM


A ditadura civil tem um esquema infalível para censurar o que realmente interessa (tudo aquilo que poderá denunciá-la ou apeá-la do poder): usa a liberdade contra a liberdade. Querem uma televisão sem o tacão do censor? Dê-lhe estética de cabaré (que o Veríssimo, mais elegante, chama de bordel) . Querem uma imprensa democrática? Destruam o Ibsen Pinheiro com uma informação falsa, como conta a IstoÉ desta semana. Querem Reforma Agrária? Subsidiem os desvios do MST e deixem os fazendeiros formar uma milícia. Querem eleições isentas? Informatizem tudo e coloquem os resultados numa caixa preta. Querem um mercado editorial livre de censura? Coloquem os incentivos fiscais nos livros de conteúdo publicitário. Querem cultura? Abandonem as bibliotecas e distribuam concessões de rádio e televisão para quem tem alergia à arte e ao conhecimento.

TALENTO - O país parece estar na mão daqueles que fecham inferninho quando conseguem arrancar uma bolada do dinheiro público. O cabaré permanente a que se reduziu o horário nobre mostra como apresentadores e apresentadoras exibem o produto (o corpo pelado das mulheres) para o mercado, sob o álibi fajuto de que estão abordando moda. Vi ontem uma imitadora mirim da Kelly Key rebolando, passando a mão no corpo de maneira pretensamente sensual e cantando o clássico Baba, baby, baba. A criatura não devia passar dos oito anos e usava uma peruca loira. Quem promove esse tipo de horror deveria estar preso por crime hediondo. Mas ao contrário, falam em milhões de salário para cada um deles. Para mim tudo isso é feito de propósito. Como somos o play-ground da canalha que nos governa, eles debocham da nossa necessidade de ter acesso à cultura audiovisual de qualidade e nos inundam de porcarias. Tentamos nos refugiar na mídia impressa e sabemos que a Veja errou ao denunciar Ibsen, mas não quis voltar atrás pois a matéria estava na gráfica e por isso teria improvisado uma declaração favorável à denúncia. A concorrência predatória entre as revistas abre espaço para esse tipo de erro. Os jornalistas são os culpados? Não apenas eles. O ambiente que favorece o denuncismo serve às brigas de cachorro grande que disputam o dinheiro público. A imprensa é culpada da direção à redação. Mas é apenas instrumento da ditadura civil ao tornar-se esnobe e arrogante e achar que pode editar o mundo. A saída é trazer de volta o talento e deixá-lo solto, livre. O talento desmoraliza o Mal, o talento recria, o talento recupera o leitor perdido. Talento é graça divina, distribuída, portanto, sem a intervenção dos donos do poder.

MÃO É FALTA - Não gosto de jogos com a mão. Acho uma covardia. Pretensamente receptiva, a mão, quando se liberta, torna-se uma ferramenta de ódio. O saque no tênis é uma brutalidade sem fim. No vôlei, não sei como agüentam aquela sucessão de canhonaços. O handebol então é uma coisa incompreensível. Parece que disseram assim: tudo o que o futebol execra vai virar handebol. Vi o jogo da seleção brasileira desse jogo. Levaram um saco de gols da França. Em compensação, fomos bombardeados durante meses com uma propaganda caríssima sobre nossa torcida ao jogo com a mão. Pegassem esse dinheiro e colocassem na seleção de handebol, acho que não teríamos fiasco semelhante. No futebol, a mão é coadjuvante, princesa e muitas vezes vilã. É coadjuvante quando é batido o lance lateral. É princesa quando salva o gol na hora certa. É vilã quando ajuda a colocar a bola para dentro da rede, como fizeram os argentinos para serem bicampeões do mundo (é por isso, talvez, que eles comemorem um gol como se fosse a celebração de um crime, de um assassinato). E o basquete? Repetitivo. Domínio absoluto dos inventores desse jogo ridículo, os americanos. Tenho urticária quando vejo os jogadores se dependurarem na cesta. E mais ainda com os apelidos. Magic Paula é realmente uma dose cavalar. Para mim, tocou com a mão, o juiz deve apitar. Mão é falta, que deve ser batida com o pé. O pé é a dificuldade, algo não natural para dominar a bola. A mão é exatamente o contrário, tem a forma da bola. Quer dormir? Assista a uma partida de golf. Quer torcicolo? Agüente o Guga gemendo e jogando a bolinha de um lado para outro e dando uma machadada em cada saque. Quer apagar a TV? Tente assistir uma dessas matérias televisivas sobre o tesão das torcedoras em cima dos jogadores de vôlei. Tesão não é esporte. Nem cabaré é tesão. Tesão é outro departamento.

BORDÕES - As Olimpíadas trouxeram à tona os bordões de Silvio Luis, maravilhosos. Acerta o seu aí que eu arredondo o meu aqui. Eees-tá valen-do! Pelo amor dos meus filhinhos! Pelas barrbas do profeta! Opa, opa, Opa! No paaaaaauu! É maaais um gol brasilEEiro meu povo. Foifoifoifoifoi ele, o craque da camisa número 10. O futebol tem mais graça com a narração de Silvio Luis. No jogo Brasil X EUA ele comentou: o locutor do estádio está falando grego, não entendo nada. Agora sim, ele falou ladies e gentleman, agora entendi. Atenção, é yellow card, tra-du-zin-do, cartão amarelo.Esse é Silvio Luis, um deslumbramento do jornalismo esportivo. Um dia assisti sua má vontade diante de um repórter estúpido que perguntava se ele usava esses bordões em casa. Claro que não, Mané. Isso é criação de linguagem, é talento, é cultura de arquibancada recriada no microfone. Silvio Luis faz parte da linhagem da locução inesquecível de Ary Barroso e espero que nunca se aposente. É uma alegria escutá-lo depois que a bola vai direto na gaveta: No gogó da Ema, no co-cu- ruuto da Girafa.

RETORNO - Hoje, nesta segunda edição da Semana Sérgio Vieira de Mello, comentei o caso Ibsen Pinheiro a pedido de Urariano Motta, meu editor para textos que precisam ganhar o mundo. Urariano é um entusiasta do artigo que publico no meu site e também no La Insígnia, que aponta um link poderoso entre um conto de John Reed e o personagem de Chaplin.

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