22 de outubro de 2017

WALLANDER, O EFICIENTE DETETIVE TERMINAL





Nei Duclós

Detetive sueco de pequena cidade do interior descobre que tem Alzheimer aos 55 anos, doença degenerativa herdada do pai, o que o inviabiliza para o árduo métier. Os lapsos de memória atrapalham as investigações num momento em que ele é suspenso por ter esquecido sua arma na cadeira de uma lanchonete. Esse é apenas o desfecho da brilhante série da BBC Wallander, que quase desisti no primeiro episódio porque achei clichês demais (o cara sonado e solitário com barba por fazer tentando decifrar as ações de um serial killer). Por sorte o Mario Medaglia me recomendou e eu fui até o fim.


A série aborda todos os temas pesados da atualidade, como espionagem, terrorismo, depressão, conflitos familiares, suicídios, fundamentalismo, imigração, numa série sufocante de assassinatos. O pobre do Wallander sabe que quando toca seu celular é mais um corpo que foi encontrado por sua equipe. Ele esclarece os casos por meio da concentração, da memória, do raciocínio e da sensibilidade. Acaba se envolvendo com as pessoas que investiga, sendo que mais de uma vez acorda na cama com as viúvas dos caras encontrados duros e frios em lugares ermos.

São impecáveis a produção, iluminação, interpretação, ritmo narrativo, com o irlandês shakespeareano Kenneth Branagh arrebentando no papel do detetive Kurt Wallander, depressivo e brilhante, que decifra os crimes quase morrendo em cada episódio por ser veterano, fora de forma, exausto, divorciado e impaciente. Ele mora só numa casa isolada junto a um labrador e recebe visitas esporádicas da belíssima Jeany Spark, britânica formada em Oxford e detonadora de talento e charme, no papel da filha, Linda Wallander.

 

A série tem quatro temporadas com quatro episódios de uma hora e meia cada uma e está toda no Netflix. Três foram lançadas entre 2008 a 2010 e a última em 2016. Como os produtores de séries são loucos, usaram a mesma fonte, a literatura do sueco Henning Mankell, - autor do personagem e da trama, que morreu em 2015, e que na TV recebe o trabalho coadjuvante de alguns escritores contratados - para fazer outra série, sueca, chamada também Wallander e com o ator Krister Henriksson no papel principal (e que brigou com a produção). E na mesma época, de 2009 a 2015. Vai entender. Eu só vi a britânica, na Netflix. Muito boa.

A série é um exemplo de como produzir literatura boa a partir de um gênero que parece ter esgotado seus recursos, atribuindo aos personagens todas as fraquezas que não existiam nos pares anteriores. Ele está sempre em desvantagem no trabalho, na família, diante dos criminosos. Tem tudo para ser um perdedor, mas vence em cada etapa da atribulada vida.

Perde a guerra por ter feito pouco diante da enormidade dos crimes e por estar doente e velho. Mas ganhou todas as batalhas com seu ar ausente, sua voz que raramente se destempera, com os gestos travados, mas com a independência dos bravos que sabem que vão morrer e nem por isso se dão por vencidos.


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