Nei Duclós
Detetive sueco de pequena cidade do interior descobre que
tem Alzheimer aos 55 anos, doença degenerativa herdada do pai, o que o
inviabiliza para o árduo métier. Os lapsos de memória atrapalham as
investigações num momento em que ele é suspenso por ter esquecido sua arma na
cadeira de uma lanchonete. Esse é apenas o desfecho da brilhante série da BBC
Wallander, que quase desisti no primeiro episódio porque achei clichês demais
(o cara sonado e solitário com barba por fazer tentando decifrar as ações de um
serial killer). Por sorte o Mario Medaglia me recomendou e eu fui até o fim.
A série aborda todos os temas pesados da atualidade, como
espionagem, terrorismo, depressão, conflitos familiares, suicídios,
fundamentalismo, imigração, numa série sufocante de assassinatos. O pobre do
Wallander sabe que quando toca seu celular é mais um corpo que foi encontrado
por sua equipe. Ele esclarece os casos por meio da concentração, da memória, do
raciocínio e da sensibilidade. Acaba se envolvendo com as pessoas que
investiga, sendo que mais de uma vez acorda na cama com as viúvas dos caras
encontrados duros e frios em lugares ermos.
São impecáveis a produção, iluminação, interpretação, ritmo
narrativo, com o irlandês shakespeareano Kenneth Branagh arrebentando no papel
do detetive Kurt Wallander, depressivo e brilhante, que decifra os crimes quase
morrendo em cada episódio por ser veterano, fora de forma, exausto, divorciado
e impaciente. Ele mora só numa casa isolada junto a um labrador e recebe
visitas esporádicas da belíssima Jeany Spark, britânica formada em Oxford e
detonadora de talento e charme, no papel da filha, Linda Wallander.
A série tem quatro temporadas com quatro episódios de uma
hora e meia cada uma e está toda no Netflix. Três foram lançadas entre 2008 a
2010 e a última em 2016. Como os produtores de séries são loucos, usaram a
mesma fonte, a literatura do sueco Henning Mankell, - autor do personagem e da trama,
que morreu em 2015, e que na TV recebe o trabalho coadjuvante de alguns
escritores contratados - para fazer outra série, sueca, chamada também Wallander
e com o ator Krister Henriksson no papel principal (e que brigou com a
produção). E na mesma época, de 2009 a 2015. Vai entender. Eu só vi a
britânica, na Netflix. Muito boa.
A série é um exemplo de como produzir literatura boa a
partir de um gênero que parece ter esgotado seus recursos, atribuindo aos
personagens todas as fraquezas que não existiam nos pares anteriores. Ele está
sempre em desvantagem no trabalho, na família, diante dos criminosos. Tem tudo
para ser um perdedor, mas vence em cada etapa da atribulada vida.
Perde a guerra por ter feito pouco diante da enormidade dos
crimes e por estar doente e velho. Mas ganhou todas as batalhas com seu ar
ausente, sua voz que raramente se destempera, com os gestos travados, mas com a
independência dos bravos que sabem que vão morrer e nem por isso se dão por
vencidos.
Vou ver! Obrigada Nei!
ResponderExcluirBjo
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