Nei Duclós
Ainda estou no começo do segundo volume das Crônicas Inéditas de Manuel Bandeira,
lançado em 2009 pela Cosac Naify (*), mas não
consigo calar-me diante de tantos detalhes importantes nos ensinamentos
do Mestre.
Vejam o caso da análise que faz de alguns termos
da moda usados pela crítica cinematográfica no início dos anos 1930. Ele
aborda a etimologia da palavra sophistication,
muito usada nos textos sobre a Sétima Arte como sinônimo de fino, chic.
Mas como ela se origina dos sofistas, trata-se de alguém dissimulado,
oblíquo, com segundas intenções, que eram como os sofistas, segundo
Platão, se comportavam. Sofistas e Platão num artigo sobre crítica de
cinema? Pois então. Faz uma ressalva para Greta Garbo, toda envolvida em
sofisticações, mas que punha paixão nelas, o que era raro.
É
hilário, contundente e revelador o que ele diz sobre o concurso O Mais
Belo Conto, promovido pelo Jornal do Brasil para autores de todo o
Brasil. O mais belo conto, diz na abertura do texto, é o conto de réis.
Naquele tempo, os jurados liam mesmo os concorrentes, não é como
acontece muitas vezes hoje, em que os vencedores já foram assinaladas
pelos agente literários e as grandes editoras, todos à mercê do braço
"cultural" da indústria financeira, tão ciosa em cacifar eventos de
lavagem de dinheiro. Há os concursos sérios, como há os safados.
Bandeira diz que a pobreza de espírito se manifesta em contos que usam a
expressão "de quando em vez" (cuidado com ela, diz). E reproduz, como
anedota, o concorrente que conta a história de um sapateiro que levou
dois anos para entregar um conserto. Deus levou seis dias para criar o
mundo, disse o cliente. "Também faz favor de comparar!" reclamou o
profissional do couro.Chegou a ser tentado a premiar o conto, mas aí
teria de dar o segundo lugar para o outro que começava assim sua
história: "Dealbava". E abria novo parágrafo.
Bandeira diz que
a má literatura é mais didática do que a boa. Pois esta leva ao plágio
enquanto a ruim mostra como não fazer. Isso serve para os textos sobre
literatura. Li num jornal do ramo um artigo que em vez de reescrever os
parágrafos, se entregava à redundância mas cuidando para obter sinônimos
diversos para o clássico verbo dizer. Opina, acrescenta,
comenta,pondera, continua analisa. A redundância continua lá, apesar do
esforço de dicionário.
Ao escrever sobre o decreto que
transformou Ouro Preto em monumento nacional, Bandeira fala sobre a
preservação do passado por meio de políticas públicas, lamentando
também, em outro artigo, o que fizeram no Recife e no Rio, esta definida
apropriadamente como uma favela de arranha-céus.Diz que o plano de
restauração do Rio, criado por Alfred Agache, urbanista de renome
internacional, definia algumas linhas mestras para manter a cidade com o
charme o carisma do seu passado sem descurar da modernidade, e que nada
foi seguido. Se ele visse o que o Brasil se transformou hoje certamente
teria um colapso.
Fala também do caso do padre que queria
destruir a obra de Aleijadinho por ser inadequada aos sentimentos do bem
e da virtude, pois seus personagens tinham a distorção, que Bandeira
delimitou como inspirado pelo sofrimento transfigurado junto ao talento
do gênio na velhice. Critica os bem intencionados que queriam acabar com
as estátuas e defende a criação dos grandes artistas, que fazem o
orgulho do Brasil secular.
Ao resenhar a obra de Onestaldo
Penafort, diz que esse autor não se trata de um decalcador paciente e
frio das formas de sentir do passado, que é o passadismo. Mas põe, "com a
ingenuidade dos grandes poetas, o mais vivo de sua sensibilidade de
homem moderno". Eis a diferença. Tenho insistido que meus sonetos (sem
querer comparar nada) são do século 21 e que homenageiam escolas
poéticas abandonadas do passado, usando-as como insumo para novas
abordagens.
Muito irônico, Bandeira dá uma estocada em Marques
Rebelo, que deveria evitar em seus contos os vícios que aponta em seus
pares. E que a revista de Antropofagia não resistiu, como outras do
gênero, pois "nem por comer gente se salvou". .
Vou continuar
lendo e comentando esse volume de tanta riqueza cultural, cheio de
revelações atualíssimas, que nos iluminam agora em que estamos às voltas
com problemas ainda piores do que no passado.
Nei Duclós
RETORNO - (*) Sobre o primeiro volume http://www.consciencia.org/neiduclos/o-poeta-no-eito
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