Nei Duclós
Conheci Florianópolis em 1972. O mar, sobrevoado por
gaivotas, chegava até a praça XV, no centro. Um cenário de assombro e êxtase. A
Lagoa da Conceição era um exagero bíblico: a paisagem vista de cima funcionava
como prova da Criação divina. Canasvieiras, de águas calmas em dias de verão
inesquecíveis, com sua placidez e barcos, era melhor que qualquer filme
ambientado no Paraíso. Minha mulher me levou para conhecer Ingleses e Santinho.
Só existiam algumas casas de pescadores. O vasto areão até a praia era cenário
de David Lean. As ondas imensas batiam na areia coalhada de conchas, que
ciscávamos seletivamente. Tudo era monumental, magnífico, maravilhoso.
Sonhei em mudar para cá muitas vezes. Tentei em 1972, em
1981 e finalmente em 2003. Hoje Ingleses é um bairro caótico. O mar aqui do
norte da ilha está tomado pela merda. Os pequenos e belos rios que deságuam no
mar estão repletos de esgoto. Os turistas chegam para pegar diarréia e se
apavorar com os preços, a sujeira do mar. É assim que nós, os brasileiros,
fazemos com nosso patrimônio, o berço esplêndido de que nos fala o hino, e que
gera ironias por ser confundido com preguiça, quando é conquista, História.
Somos um país de atordoados, uma nação suicida. Um país continental que fecha
todas as soluções de moradia e bem estar. A lama tóxica substitui a natureza.
Somos hoje uma fonte permanente de exílio. Ficamos tempo
demais esperando melhorar, trabalhando duro, amando a língua e o chão onde
pisamos. Só dispomos da memória. O presente é o terror. Exagero, poderão dizer.
Tente um banho do mar sem adoecer. Saia de casa sem ser xingado por motoristas
afoitos. Tente dormir com a barulheira ao redor. Procure produtos de qualidade
sem esbagaçar seus rendimentos. Tente sobreviver no país que desterra seus
filhos. Onde o dinheiro público é roubado na cara dura. Onde a música foi
soterrada pelo ruído ágrafo. Onde o lixo mental e espiritual é incentivado como
cultura.
Não se queixe, dirão. Não estou me queixando. Estou
exercendo meu direito de dizer o que sinto e penso. Aqui neste país enterrei
minha vida e luto para me manter à tona. Posso falar ou está difícil até para
isso?
Como sobreviventes, nosso segredo é a esperança. Basta
alguns gestos da administração pública, uma tomada de consciência da cidadania
hoje em pânico, um entendimento nascido no convívio diário entre pessoas bem
intencionadas e poderemos enfrentar o pior. Amar o que insistem em nos tirar. E
dar o retorno, em grandeza, para a avalanche de pequenez que nos assola.
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