Nei Duclós
A apresentação do filme São Paulo Cidade Aberta, de Caio Plessmann
de Castro (foto), ontem , dia
11/04/2014, no Plenarinho da Assembleia Legislativa em Florianópolis, foi um
evento significativo, pois colocou na roda um trabalho de pesquisa e síntese
sobre um dos mais obscuros e controvertidos episódios da História do Brasil.O
bombardeio brutal e sistemático da cidade de São Paulo em julho de 1924, feito
pelas tropas do governo contra a cidade tomada pelos revoltosos do Exército e
da Força Pública, e que atingiu bairros populares e de classe média, destruindo
alvos civis como estabelecimentos comerciais e industriais, além de hospitais e
de instituições republicanas (deixando livre os alvos militares) foi regastado
com rigor didático, narrado pelo tom preciso e competente de Oton Bastos. As
reconstituições de cenas fundamentais foram feitas nos locais de origem. As interpretações
dos protagonistas do evento, tanto os militares quanto os civis, mantém a sobriedade e o drama do evento,
emocionando por atingir o alvo, o de esclarecer sobre um assunto desconhecido
pela maioria da população.
Como sou um estudioso do período e já publiquei vários
textos sobre 1924 e os movimentos militares dos anos 20, fui convidado pelo
cineasta e pelo responsável da vinda dele para cá, o amigo Fabiao Deitos, que
me foi apresentado pelo poeta Sidnei Schneider. Observei no debate que o
enfoque adotado, o de atribuir culpa principal da destruição da cidade à oligarquia
cafeeira ajuda, por um lado, a esclarecer o assunto, e por outro lança uma
sombra sobre a natureza do documentário, que em principio deveria ser isento.
Mas trata-se de uma obra engajada, o que não compromete seu rigor audiovisual a
serviço da História. Em vez de heroísmo, temos no filme o tom denso e
dramático. Em vez de luto, temos a clareza dos detalhes apresentados por
excelente levantamento de imagens e filmes do período.
Eis uma obra que inaugura um espaço generoso de resgate e
debates, pois a questão militar, a intervenção armada, as propostas para
soluções políticas fazem parte do vasto espectro deste evento. Observei que
1924 se presta a inúmeras abordagens. Uma delas está no meu texto sobre o papel
da igreja no movimento armado. Outra na ficção, já que meu romance Universo
Baldio traz o clima da revolta na segunda parte do Livro, Papel de Bala. E há a
investigação necessária sobre os motivos do esquecimento desse brutal acontecimento,
que ainda está presente na memória popular, como pude constatar em algumas
entrevistas que fiz na Mooca nos anos 1980.
Depois da sessão, fui convidado por Caio, Fabiano e sua
esposa, para uma rodada de cerveja Original com kibe na Kibelãndia, onde, ermo
de conversas, já que vivo isolado, tonteei os convivas com inúmeras histórias
da minha longevidade. Costumo dizer que depois dos 60 anos viramos todos
conferencistas. Me convidaram, tiveram que aturar. E ainda me levaram em casa,
onde Caio detalhou o convívio do seu trabalho com os posts do meu blog sobre
1924. Muita gentileza para com o escriba veterano, que assim faz novos amigos
entre as raras pessoas civilizadas e criativas deste país imerso na barbárie.