Nei Duclós,
sobre o livro de poemas OUT SIDE,
de Mario Bakuna (foto).
É feito de feixes foscos e luminosos o piso complicado da
palavra a qual temos acesso de todas as formas. Dá vontade de andar nele como
se palmilha uma estrada, mas isso seria afundar no cabelo da Medusa. Há muito
ouriço riscando serpentes e exercícios de raízes que chegam à tons para
providenciar uma busca de céu.
A poesia de Mario Bakuna pode ser identificada no meio desse
emaranhado em que nos confundimos. Ela se destaca não pela pose de
originalidade ou a vontade de impactar, já que existe a consciência da
inutilidade desse gesto na maré alta do apocalipse. Estamos condenados e nos
resta gerar o impossível momento do encantamento sem abrir mão da herança mais
densa, a lucidez, essa neblina com vocação de faísca..
O livro de Mario Bakuna nos conquista por navegar em versos
que se contorcem de tanta individualidade. Mas só percebemos sua força no mergulho
da leitura, superficialidade aparente que oculta a máscara da danação pelo
escuro. De repente, em meio à busca da palavra inexata mas concisa e
traiçoeira, ele nos diz a que veio:
“Quando eu tenho algo a dizer
me calo para não sufocar a paisagem.
É tão difícil suportar calado as intermitências entre um
verso e outro
que eu prefiro apaziguar minha vontade deixando que o
silêncio faça a sua música.
Esvaziar esse balão de retrospectivas
para que não exista nenhuma catarse.
A poesia é um abismo
não um espelho.”
Pronto, estamos cooptados por uma poesia que não oferecia
nada e que salta na paisagem como o percurso ao inverso de uma estrela cadente.
Vem do fundo e alcança o precipício que se espraia acima do nosso olhar:
“O lugar que você existe em mim
eu só alcanço se fechar os olhos. “
ou
“Quando a carne sofre é amor
Um homem só é jovem quando está apaixonado!”
É uma temeridade selecionar poemas ou versos num trabalho
encadeado e surdamente musical, feito com o rigor de um saltimbanco certo de
que irá conseguir a próxima refeição. Seu alvo é nossa indiferença: estamos
treinados para não ver, mas Mario Bakuna se insurge. Não quer a submissão do
leitor tradicional ou o artificialismo do falso leitor/autor, que em tese
participaria da obra. O paradoxo é que admitimos o poeta sem sermos convidados
à passividade e invadimos sua palavra respeitando as balizas interpostas num
caminho ouriçado de má conduta e de uma ética que só a transgressão
experimenta. A transgressão de perder a forma para encontrar o núcleo do drama.
Perdemos ao ler esta poesia que não tinha nada para
acontecer e se revela absurdamente perfeita. De uma perfeição de piso que se
mexe como bailarina em abismo sem rede de segurança. Não um piso de mármore,
necrópole do poema. Mas um chão que no fundo é nuvem, um movimento que nos leva
à necessária contemplação, uma dor que gera felicidade pelo que traz de
revelação.
Perder-se, aqui, é encontrar um coração habitado, um autor
que se entrega ao verbo com a gana dos amantes em êxtase. Não se trata de gozo,
mas de literatura, essa palavra que o mundo tenta enquadrar porque sente
medo.