Nei Duclós
Alguns poemas são como novos anjos quando levitam pela
primeira vez.
Levo junto a distância para ao te deixar ficar perto.
Sou tua soma e tu me multiplicas.
Operação de intensa aritmética.
Não importa o que nos parte e sim a sorte que nos une.
Minha visita é provisória. Fica apenas a marca de um beijo
em alguma parte do teu choro.
Não estou na origem do que te feriu. Sou o beduíno sem rosto
de passagem por teu sonho.
Tratar indivíduo como gênero, eis a tragédia humana de hoje
Criei tantas senhas que acabo misturando letras e números.
Tenho acesso assim a sites da matéria escura, arquivos do lado oculto da lua.
A semana não
promete nada. Não dependemos do calendário, somos vazios o tempo todo.
És estrela do meu
poema. Mas não dirijo a cena, cuido apenas dos letreiros.
Esses poemas esparsos são o script de uma obra ainda em
processo, em que somos protagonistas sem corpo e vozes de sufoco por falta de
fôlego.
Não insisto contigo, sei que inútil. Apenas convido os
passarinhos que te cercam com algum alpiste de versos.
Esse seu jeito bravo de posar pondo a mão na cintura faz
parte do quanto sobras de mulher.
Exposto ao sol, achas que me enxergas. Mas não me vês pois
te cegas.
A fragilidade gosta
de assumir o papel bruto quando nota que a escassez é recíproca.
Estávamos bem, conversando, e aí resolveste atirar umas
pedras para ver se era de vidro.
Tens um jeito estranho de amar. Maltratas quando estamos a
passeio. Me abraça quando estamos em guerra.
Sou outra pessoa, a que desconheço. Por isso não lembro e
fico com esta mesmo.
Não seja formal se eu chegar muito perto. Vim do deserto,
visto apenas um surrado pano que jogo em teu rosto
Faça um balanço de
quanto amou este ano. Depois venha para meu colo se algo estiver faltando.
De vez em quando lembras que te pertenço. Aí me jogas um
bilhete em branco, para que eu te escreva.
Nem te dás conta do impulso que deslocas quando chegas
devagarinha. Pedaço de sonho sobre a água límpida.
És um monumento da doçura, das palavras que dizemos quando
há lua. E que são corriqueiras, e inesquecíveis, como a brisa em teu cabelo.
Não importa se é noite ou dia. O que vale é o crepúsculo dos
teus olhos, flor de fantasia.
O dia chega ao
fim, vento que rola para a varanda noturna. Olho as nuvens granuladas num
crepúsculo morno. Sonho, meu balanço de outono.
RETORNO - Imagem desta edição: foto de Marga Cendón.