Nei Duclós
Numa situação limite no espaço hostil, para sobreviver é
preciso respirar, agarrar-se a alguma coisa e assim poder voltar para casa. Sem
apoio isso é impossível. Sandra Bullock tem a companhia de George Clooney, que
a mantém desperta e evita que ela desista. Usa a sucata espacial de países “errados”,
como Russia ou China, que lhe oferecem oxigênio, propulsão e queda livre em
direção à Terra.
O desafio é o timing, fazer coincidir a operação de resgate
depois de um acidente com a vida em órbita. A médica especialista, considerada
gênio da tecnologia, entra em pânico quando estilhaços o jogam para longe e a
deixam boiando no vazio infinito. Sem
comunicação com ninguém, única sobrevivente, ela enfrenta um incêndio e se
enreda na hora em que pensa escapar. Está à mercê da sorte e das providências
que precisa tomar com o que lhe resta de recursos. Sua roupa espessa não a protege.
Para sair da armadilha, deve desvencilhar-se da armadura e contar apenas com o
corpo frágil e o olhar em pânico em busca de foco.
A super profissional está à deriva e descobre que se meteu
na arapuca porque perdeu o chão quando a filha pequena foi-se para sempre. Cortou
o cordão umbilical e foi buscar uma forma de morrer. Quando dá de cara com a
morte, é levada ao salto no escuro em direção à salvação. Seu renascimento usa
instrumentos considerados obsoletos: o manual impresso, as manivelas, os
parafusos, as cordas, os sinais luminosos analógicos, o tradicional extintor de
incêndio. Não há magiclic no ambiente que deveria ser ultrasofisticado. É como
descobrir que a nave alienígena é movida a vapor.
Assim é Gravity (2013), que deu um Globo de Ouro para seu
diretor, o mexicano Affonso Cuarón. Um “road” movie fora de órbita, em que a
vítima precisa descer do veículo para empurrar as velharias que boiam
abandonadas ao redor do planeta, como se fosse uma estrada no deserto e houvesse
apenas de um velho caminhão estragado e peças enferrujadas. Um filme que conta
com algo mais do que a empatia da grande estrela, mas do seu talento dramático,
sua sintonia com nosso olho fixo nela. Respiramos com dificuldade vendo-a sofrer
e xingamos o diretor que a coloca diante de tantos perigos.
Mergulhamos no lago depois de fritar na atmosfera e saímos
de dentro da cápsula inundada para nos agarrar na areia que mostra o quanto
estávamos longe de nossa origem. Assim voltamos com Sandra Bullock para casa, tateando
com os pés trêmulos habituados a palmilhar o nada e que agora precisam
reaprender a andar. Temos uma vida a viver e bendizemos o amor que a Terra nos
devota por meio de seu vínculo materno, a gravidade.
RETORNO - Luiz Carlos
Merten comenta, com propriedade, o link entre Gravity e 2001, dizendo que o
filme do mexicano começa onde o de Kubrick termina. Verdade. Noto que a
criatura do futuro, um feto em 2001, é a mãe Terra em Gravity, que precisa
religar-se para sobreviver. Jogada para o espaço, como na célebre cena de 2001
em que o astronauta livra-se do companheiro para enfrentar o supercomputador Hal,
desta vez ocorre o contrário: é preciso ir buscar quem se perdeu no meio do
nada. E no contraponto principal entre os dois filmes, enquanto tudo é clean e
funciona em 2001, em Gravity o ambiente é de terror, tudo sucateado e transformado
em lixo. Um cenário mais para Alien do que para aquele futuro imaginado pelo
gênio de Kubrick.