Nei Duclós
O corretor Jordan Belfort é peixe pequeno da ditadura
financeira, por isso é punido, mas sai ganhando, numa vitória de traições. Transforma
seu crime em livro, agora adaptado ao cinema em O Lobo de Wall Street, de
Martin Scorsese, com Leonardo di Caprio no papel principal, tentando atingir os
níveis de histrionismo de Robert de Niro. Belfort tenta furar o bloqueio dos
megalucros mas é caçado pelo FBI e cumpre pena leve depois de entregar os
sócios, parceiros, amigos, companheiros. Encarna todos os defeitos das finanças
sem freios, a que foi desregulamentada a partir dos anos 80 por Reagan e
Tatcher e acabou virando essa voragem da especulação, que tunga populações, mantem
nações como reféns e concentra renda em meia dúzia (85 pessoas possuem o mesmo
que 3,5 bilhões de pessoas, segundo pesquisa recente) por meio de sucessivas
crises plantadas e mascaradas como “crises”.
É uma atividade obscena, como nota o pai do especulador, mas
o problema do filme é que Martin Scorsese é prisioneiro da sua falta de escrúpulos.
Sempre acerta no alvo a que se propõe, o de disseminar a perversidade sob a
álibi da denúncia, quando é pura cooptação. Seus heróis machões encarnam a
essência de sua própria fragilidade, o de odiar a virtude por se definir pelo
Mal, que, na sua ótica, decide o gênero humano. Para Scorsese ninguém presta,
mas ele acha que engana ao colocar seu anti-herói na prisão, como se a Lei
fizesse justiça, quando apenas limpa o terreno para a atividade criminosa dos
grandões.
Se houvesse Justiça, a Suíça seria fechada, junto com outros
paraísos fiscais. Mas ela existe em função dessa fábrica de dinheiro falso que
inunda o mundo e serve de estuário para o desperdício de recursos que enriquece
os bandidos. Expulso de Wall Stret, Belfort usa seu know-how para empresas
quase fictícias e exagera na dose das comissões. Faz fortuna treinando um monte
de cretinos para devorar suas vítimas, os pequenos investidores e poupadores.
Isso é apresentado por Scorsese como uma festa irreversível, sem solução. Ninguém
vale nada e o mundo dos trouxas alimenta os espertalhões. O filme inteiro é uma
celebração do Mal.
Ao se safar denunciando os outros, o safado vira consultor
em países periféricos. Lá ele ensina como vender coisas reais, como uma
lapiseira. Está fora do mundo especulativo, que é exclusivo dos que dominam o
mercado. Ele é um outsider que aprendeu sua lição. Comprou seu conforto na
cadeia , perdeu patrimônio e família mas mantém-se como vendedor, a mais antiga
profissão do mundo (já que era precisa alguém com recursos para sustentar a
outra, tido como pioneira). Candidato a 5 Oscar, o filme pode legar alguns,
pois há um gozo coletivo pela crueldade e as trapaças. Além de Caprio, candidato
ao Oscar de melhor ator pelo exagero de seu esforço, o jovem e bom intérprete Jonah Hill concorre,
mas como melhor coadjuvante. Ele continua fazendo o mesmo papel de outros
filmes, como aquele do beisebol com Brad Pritt. Firmou uma caricatura.
O Lobo de Wall Street é uma sucessão de clichês para agradar
o público, que odeia quem lhe rouba. Mas se identifica com a bandidagem que
finge denunciar ao deixar livre o sistema de roubo coletivo. Este continua
porque tem apoio, na política e no cinema. Seja especulador, seja herói. Nada
tens a perder do que alguns milhões de dólares, facilmente recuperáveis.