10 de janeiro de 2014

PURA PELE


Nei Duclós


Quando faço o poema já está
em outra, boiando no vazio
fora do ponto, sacudindo as mãos
para o ônibus, isca de novo alento,
esperança de caça, atração de pouso

Leitura é jogo adventício, criação
se sustenta, é como alguém  focado
no som que escapa do roçar
 entre a Lua oculta de dia
e a futura estrela

Apanhei teu vestido claro jogado
no piso de madeira, estavas na janela
admirando os pássaros, pura pele
que me contenta só de vê-la
te vesti inteira pelo avesso

Ficou de fora a sílaba de um verso
como seio à mostra, veio o beija flor
saber qual a relação entre inventar
pela palavra e esse toque de azul
amianto em teu abraçar lento

Não há a mínima coincidência
é só coração sem nenhum vestígio
como o vento faz da areia seu nicho
e esculpe o mármore de grãos
no cultivo da tua glória efêmera



RETORNO - Imagem desta edição: obra de Charles Hawthorne