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14 de janeiro de 2014

GRAVIDADE: SANDRA BULLOCK VOLTA PARA CASA


Nei Duclós


Numa situação limite no espaço hostil, para sobreviver é preciso respirar, agarrar-se a alguma coisa e assim poder voltar para casa. Sem apoio isso é impossível. Sandra Bullock tem a companhia de George Clooney, que a mantém desperta e evita que ela desista. Usa a sucata espacial de países “errados”, como Russia ou China, que lhe oferecem oxigênio, propulsão e queda livre em direção à Terra.

O desafio é o timing, fazer coincidir a operação de resgate depois de um acidente com a vida em órbita. A médica especialista, considerada gênio da tecnologia, entra em pânico quando estilhaços o jogam para longe e a deixam boiando no vazio infinito.  Sem comunicação com ninguém, única sobrevivente, ela enfrenta um incêndio e se enreda na hora em que pensa escapar. Está à mercê da sorte e das providências que precisa tomar com o que lhe resta de recursos. Sua roupa espessa não a protege. Para sair da armadilha, deve desvencilhar-se da armadura e contar apenas com o corpo frágil e o olhar em pânico em busca de foco.

A super profissional está à deriva e descobre que se meteu na arapuca porque perdeu o chão quando a filha pequena foi-se para sempre. Cortou o cordão umbilical e foi buscar uma forma de morrer. Quando dá de cara com a morte, é levada ao salto no escuro em direção à salvação. Seu renascimento usa instrumentos considerados obsoletos: o manual impresso, as manivelas, os parafusos, as cordas, os sinais luminosos analógicos, o tradicional extintor de incêndio. Não há magiclic no ambiente que deveria ser ultrasofisticado. É como descobrir que a nave alienígena é movida a vapor.

Assim é Gravity (2013), que deu um Globo de Ouro para seu diretor, o mexicano Affonso Cuarón. Um “road” movie fora de órbita, em que a vítima precisa descer do veículo para empurrar as velharias que boiam abandonadas ao redor do planeta, como se fosse uma estrada no deserto e houvesse apenas de um velho caminhão estragado e peças enferrujadas. Um filme que conta com algo mais do que a empatia da grande estrela, mas do seu talento dramático, sua sintonia com nosso olho fixo nela. Respiramos com dificuldade vendo-a sofrer e xingamos o diretor que a coloca diante de tantos perigos.

Mergulhamos no lago depois de fritar na atmosfera e saímos de dentro da cápsula inundada para nos agarrar na areia que mostra o quanto estávamos longe de nossa origem. Assim voltamos com Sandra Bullock para casa, tateando com os pés trêmulos habituados a palmilhar o nada e que agora precisam reaprender a andar. Temos uma vida a viver e bendizemos o amor que a Terra nos devota por meio de seu vínculo materno, a gravidade.


RETORNO -  Luiz Carlos Merten comenta, com propriedade, o link entre Gravity e 2001, dizendo que o filme do mexicano começa onde o de Kubrick termina. Verdade. Noto que a criatura do futuro, um feto em 2001, é a mãe Terra em Gravity, que precisa religar-se para sobreviver. Jogada para o espaço, como na célebre cena de 2001 em que o astronauta livra-se do companheiro para enfrentar o supercomputador Hal, desta vez ocorre o contrário: é preciso ir buscar quem se perdeu no meio do nada. E no contraponto principal entre os dois filmes, enquanto tudo é clean e funciona em 2001, em Gravity o ambiente é de terror, tudo sucateado e transformado em lixo. Um cenário mais para Alien do que para aquele futuro imaginado pelo gênio de Kubrick.