11 de setembro de 2013

SUMIÇO



Nei Duclós

 Descobri que não existo
 me procurei nos arquivos
 nenhuma prova de vida
 a certidão de batismo
 número de registro
 serviço, cidadania
 RG, vacina, CIC
 ou boletim dos maristas
 a mais pálida biografia
 nem mesmo o mínimo risco
 em moldura, pergaminho
 nenhum resto ou resquício
 rastro, pegada, pista
 uma citação em livro
 reportagem ou convite
 blasfêmias, um panegírico

 Tudo passou em branco
 na limitação do limbo
 que por sua vez foi extinto
 e o nada ficou pulsando
 numa precoce demanda
 que temos de apocalipse
 distância de paraíso
 condenação decidida
 num apagado rabisco
 sem memória ou serventia
 desvivi, foi pelo avesso
 que tomei conhecimento
 pois como posso saber
 de um fato tão sinistro?
 se não passei pela terra
 como sou sem ter nascido?

 Foi excesso de carinho
 me disse um anjo metido
 ganhaste tudo na infância
 prêmio por ser parido
 mãe que tudo provia
 pai montado no estribo
 em generosa família
 com banquetes aos domingos
 Páscoa, Natal, Corpus Christi
 carnaval, caça às perdizes
 o excesso gastou cedo
 o que devias ter sido
 por isso nada restou
 do teu perfil sem sentido
 ainda poderás ler
 estas absurdas linhas
 mas é só, és um problema
 sumirás, definitivo
 no final deste poema


RETORNO - Imagem desta edição: obra de Giovanni Boldini.