12 de setembro de 2013

O NOBEL BRASILEIRO



Literato de prêmio: 
dos vencedores do Icatu 
ao Nobel brasileiro


 Eduardo San Martin, Nova York

Surgiu um novo interesse internacional no mercado editorial brasileiro. Publicações como  Publishing Perspectives chegam a manter um setor de notícias brasileiras em inglês na internet. Uma razão é que, no Brasil, o mercado do livro físico se expande...no resto do mundo, se contrai. Outra é que o Brasil está gastando o que não tem para traduzir e publicar literatura brasileira no exterior. Qualquer professor universitário ganha oito mil dólares para traduzir um autor brasileiro e publicá-lo numa obscura editora universitária...São milhões e milhões de dólares que o governo brasileiro investe em autores (tradutores) e editores estrangeiros, supostamente, para ampliar os horizontes da literatura nacional... uma diplomacia cultural que, só em 2013, vai gastar 28 milhões em 5 dias na Feira do Livro de Frankfurt.

O interesse internacional em relação à produção literária brasileira, portanto, não é de origem genuinamente cultural.  É político da parte do governo que paga a conta e econômico da parte dos editores estrangeiros que ganham os dólares. As autoridades brasileiras têm bons motivos para esta política cultural: desde os tempos do Getúlio Vargas, o país sonha com um Prêmio Nobel, o Brasil também quer ganhar influência e poder no cenário internacional. Para isso, o português tem que se tornar língua oficial da ONU, o que exige projeção da cultura par além das fronteiras e uma padronização absurda e inexequível da língua (a nova reforma ortográfica).

Os interesses político e econômicos da internacionalização da literatura brasileira financiada pelo estado tem um custo muito mais alto do que o financeiro: o empobrecimento da produção cultural interna do país.  O meu pai, que lia Machado de Assis em espanhol, costumava dizer:"Uma língua é rica conforme o que estiver escrito e publicado nesta língua”. A riqueza é o acervo de cultura disponivel na língua. Neste sentido, a política de exportação cultural do Brasil financia o enriquecimento da língua inglesa, espanhola, alemã, italiana e outras, acrescendo a seus acervos obras de cerca de 100 autores escolhidos a dedo. Alguns agentes e editores conhecimento privilegiado, há anos financiam alguns autores para obras já ambientadas em cidades estrangeiras, a fim de facilitar a futura exportação, na linha de Budapeste, de Chico Buarque de Hollanda.

Comparando os gastos com a divulgação da da literatura brasileira no exterior com os investimentos na  produção cultural interna,em português e para brasileiros, o governo federal não deixa dúvidas em relação a seus objetivos: em 2012, reduziu em 25% as compras em tiragens especiais paras bibliotecas escolares. Os governos estaduais não ficam para trás. São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Rio Grande do Sul, entre outras administrações regionais, criaram grandes prêmios autopromocionais, pagando 100 mil reais ou mais para grandes autores nacionais. Ou seja, prêmios voltados para a consagração e reconhecimento de autores já reconhecidos e consagrados. É essencial que o vencedor atraia a mídia para a cerimônia de entrega do cheque... Pagam os prêmios cortando as edições subsidiadas dos institutos do livro e as verbas para aquisição de novos títulos pelas bibliotecas públicas...é de um cinismo cruel.

Quando comecei a escrever profissionalmente, o jornalismo ainda era praticado e remunerado quase dignamente, as editoras pagavam adiantamento pelos livros, escrever era muito perigoso, um ato de  resistência à ditadura militar . Os círculos culturais democráticos valorizavam a coragem dos autores independentes e desprezavam os “literatos de prêmio”, os autores institucionalizados.  Hoje, nem parece que foi restaurada a democracia. A antiga vanguarda da luta contra a ditadura foi marginalizada e os literatos de prêmio viraram os grandes expoentes da cultura pós-moderna.

Sem alternativa, os autores que se prezem profissionalmente– até eu, Brutus – querem ganhar um segundo lugar que seja em um concurso qualquer e levar um troco para casa. Sei, entretanto, que sem contar com um agente literário com amplo acesso aos corredores do poder e sem parentes importantes e influentes na República das Letras,  vou continuar excluído do restrito clube de autores premiados e premiáveis.  É verdade que ganhei dois prêmios Açorianos...no tempo que só  davam uma estatueta, dinheiro não.
Como exemplo de concurso inacessível aos mortais, cito o prêmio Icatu , cujos vencedores foram anunciados pelo jornal O Estado de São Paulo (*) e do qual eu nunca ouvira falar. É prêmio onde o autor não se inscreve, mas uma comissão de eruditos recomenda e um júri secreto escolhe seis escritores para passar uma temporada numa colônia de artistas em Paris, na França. O prêmio existe há 18 anos, guardado como um segredo por meia dúzia de eleitos rotativos. Este ano, um dos escritores selecionados só vai publicar seu primeiro livro no ano que vem, num caso raro de premiado precoce ou premiado pré-obra.


O QUE É PRÊMIO ICATU
(*) de O Estado de S.Paulo:

“Criado em 1995 e dedicado a reconhecer e incentivar a produção de artistas brasileiros, o Prêmio Icatu de Artes já levou fotógrafos, artistas plásticos, músicos, bailarinos e curadores para temporadas em Paris. Este ano, pela primeira vez, a empresa vai premiar escritores. Um conselho indicou alguns nomes, suas obras foram lidas e saiu agora o veredicto. Os felizardos, que passarão entre três e nove meses em Paris, flanando pela cidade, vivendo num ateliê na Cité des Arts, no bairro de Marais, com uma bolsa mensal e nenhuma obrigação final para com o patrocinador são: Julián Fuks, Adriana Lunardi, Marília Garcia, Pedro Lago e Luís Maffei. Vinicius Jatobá, um dos escolhidos da Granta Melhores Jovens Autores Brasileiros e que só publicará seu primeiro livro, Apenas o Vento, em 2014, completa a lista”. 

RETORNO - E. San Martin é escritor brasileiro, autor de vários livros em prosa e poesia. Mora no Exterior há décadas, entre Londres e Nova York. Meu amigo desde que ele tinha 16 anos, costumo dizer que San Martin é o único intelectual de verdade da minha geração. Ele escreveu este texto a meu pedido, na correspondência retomada este ano depois de algum tempo de interrupções.