Literato de prêmio:
dos vencedores do Icatu
ao Nobel brasileiro
Eduardo San Martin, Nova York
Surgiu um novo interesse internacional
no mercado editorial
brasileiro. Publicações como
Publishing Perspectives chegam a manter um setor de notícias brasileiras em
inglês na internet.
Uma razão é que,
no Brasil, o mercado do livro físico se
expande...no resto do mundo, se contrai. Outra
é que o Brasil está gastando o que não tem para traduzir e publicar
literatura brasileira
no exterior. Qualquer
professor universitário
ganha oito
mil dólares para
traduzir um autor brasileiro e publicá-lo
numa obscura editora
universitária...São
milhões e milhões
de dólares que o governo
brasileiro investe em
autores (tradutores) e editores estrangeiros,
supostamente, para
ampliar os horizontes
da literatura nacional...
uma diplomacia cultural que, só em 2013, vai gastar 28 milhões em 5 dias na Feira
do Livro de Frankfurt.
O interesse internacional
em relação
à produção literária
brasileira, portanto,
não é de origem
genuinamente cultural. É político da parte
do governo que
paga a conta
e econômico da parte
dos editores estrangeiros
que ganham os dólares. As autoridades brasileiras têm bons
motivos para
esta política cultural: desde os tempos
do Getúlio Vargas, o país sonha com um Prêmio Nobel, o Brasil também quer ganhar influência e poder no cenário internacional. Para isso, o português tem que se tornar língua oficial
da ONU, o que exige projeção
da cultura par
além das fronteiras
e uma padronização absurda
e inexequível da língua (a nova reforma ortográfica).
Os interesses político
e econômicos da internacionalização da literatura brasileira
financiada pelo estado
tem um custo
muito mais
alto do que
o financeiro: o empobrecimento
da produção cultural interna
do país. O meu pai, que lia Machado de Assis em espanhol, costumava
dizer:"Uma língua
é rica conforme
o que estiver escrito
e publicado nesta língua”. A riqueza é o acervo de
cultura disponivel na língua. Neste sentido,
a política de exportação
cultural do Brasil financia o enriquecimento da língua
inglesa, espanhola, alemã, italiana e outras, acrescendo a seus
acervos obras
de cerca de 100 autores
escolhidos a dedo. Alguns
agentes e editores
conhecimento privilegiado, há anos financiam alguns
autores para obras já ambientadas
em cidades
estrangeiras, a fim de facilitar
a futura exportação,
na linha de Budapeste, de Chico
Buarque de Hollanda.
Comparando
os gastos com
a divulgação da da literatura brasileira
no exterior com
os investimentos na produção cultural interna,em português e para brasileiros, o governo
federal não
deixa dúvidas
em relação
a seus objetivos:
em 2012, reduziu em
25% as compras em
tiragens especiais
paras bibliotecas
escolares. Os governos
estaduais não ficam para
trás. São
Paulo, Minas Gerais,
Bahia, Rio Grande
do Sul, entre
outras administrações regionais, criaram grandes
prêmios autopromocionais, pagando 100 mil reais ou mais para grandes autores nacionais.
Ou seja, prêmios
voltados para a consagração
e reconhecimento de autores
já reconhecidos e consagrados. É essencial que o
vencedor atraia a mídia para
a cerimônia de entrega
do cheque... Pagam os prêmios cortando as edições
subsidiadas dos institutos do livro e as verbas
para aquisição de novos títulos
pelas bibliotecas públicas...é de um cinismo cruel.
Quando comecei a escrever profissionalmente, o jornalismo
ainda era
praticado e remunerado quase dignamente, as editoras
pagavam adiantamento pelos livros, escrever era muito perigoso,
um ato
de resistência
à ditadura militar
. Os círculos culturais democráticos valorizavam a coragem
dos autores independentes
e desprezavam os “literatos de prêmio”, os autores
institucionalizados. Hoje, nem
parece que foi restaurada a democracia. A antiga
vanguarda da luta
contra a ditadura
foi marginalizada e os literatos de prêmio viraram os grandes
expoentes da cultura
pós-moderna.
Sem alternativa, os autores
que se prezem profissionalmente–
até eu,
Brutus – querem ganhar um
segundo lugar
que seja em
um concurso qualquer e levar um troco para casa. Sei, entretanto, que
sem contar com um agente literário
com amplo
acesso aos corredores
do poder e sem
parentes importantes
e influentes na República das Letras, vou continuar excluído
do restrito clube de autores premiados e premiáveis. É verdade que ganhei dois prêmios Açorianos...no
tempo que
só
davam uma estatueta, dinheiro não.
Como exemplo de concurso inacessível aos mortais,
cito o prêmio Icatu , cujos
vencedores foram anunciados pelo jornal O Estado
de São Paulo (*) e do qual eu nunca ouvira falar. É prêmio onde o autor não se
inscreve, mas uma comissão
de eruditos recomenda e um júri secreto escolhe seis
escritores para
passar uma temporada
numa colônia de artistas
em Paris, na França. O prêmio
existe há 18 anos, guardado como um segredo por meia dúzia de
eleitos rotativos. Este
ano, um
dos escritores selecionados
só vai publicar
seu primeiro livro no ano que vem, num caso
raro de premiado precoce
ou premiado pré-obra.
O QUE É PRÊMIO ICATU
(*)
de O Estado de S.Paulo:
“Criado em 1995
e dedicado a reconhecer e incentivar
a produção de artistas
brasileiros, o Prêmio
Icatu de Artes já
levou fotógrafos, artistas
plásticos, músicos,
bailarinos e curadores
para temporadas
em Paris. Este
ano, pela
primeira vez,
a empresa vai premiar
escritores. Um
conselho indicou alguns
nomes, suas
obras foram lidas
e saiu agora o veredicto. Os felizardos, que
passarão entre três
e nove meses em
Paris, flanando pela cidade, vivendo num ateliê
na Cité des Arts, no bairro de Marais, com uma bolsa mensal e nenhuma obrigação final para com o patrocinador
são: Julián Fuks, Adriana Lunardi,
Marília Garcia, Pedro Lago e Luís Maffei. Vinicius Jatobá, um dos
escolhidos da Granta Melhores Jovens Autores Brasileiros e que
só publicará seu
primeiro livro,
Apenas o Vento,
em 2014, completa
a lista”.
RETORNO - E. San Martin é escritor brasileiro, autor de vários livros em prosa e poesia. Mora no Exterior há décadas, entre Londres e Nova York. Meu amigo desde que ele tinha 16 anos, costumo dizer que San Martin é o único intelectual de verdade da minha geração. Ele escreveu este texto a meu pedido, na correspondência retomada este ano depois de algum tempo de interrupções.