Nei Duclós
Quero o sopro de luz que tua vida exala. Vício da presença
poderosa. Ponte entre penhascos.
Consegues desestabilizar o mármore. Que dirá meu gesto, todo
dependente do teu afago.
Te nego três vezes antes de o sol se por. Só quando vem a
noite te aceito porque me desmancho.
Interrompes o verso com um beijo.
Então me esqueço do poema e viro o que tens em mente.
Fui distribuindo a palavra pelas casas. Depois recolhi as
que sobraram. Não fazem parte do teu amor que exibes na janela.
Bastou te ver por um instante para a fonte do poema jorrar
incandescente.
Desabotoas o coração para que eu possa ver dentro. Lá tem
uma flor, feminino sonho.
Só de ti nasce a beleza do que escrevo. Por isso esse
desapego. Deixo tudo para ficar contigo.
É simples demais o que digo? Que alívio. Achei que estava
refém do lado obscuro do verbo, falando com as pedras.
Por trás da palavra clara há o mapa de mil olhares. Escolha
um, adorável.
Acredite, estarei no final da estrada te esperando. Imaginei
que vinhas.
Pronto. Falei tanto que te deixei
tonta. Sempre desejo que desmaies sobre mim, como nos filmes antigos.
Esqueço o que fiz há 5
segundos.Clico de novo no que estava aberto. Mas lembro do ano inteiro de 1962.
Não é a idade. É o amor da memória.
Jogaram tudo no terreno baldio.
Lixo, folhas, versos. Depois abandonaram. Nasceram flores diversas. Uma era
feita de pétalas do nosso amor perdido.
Tempo perdido é o que não tem registro,quando desistimos da
palavra ou do personagem ou da viva estátua ou da tela impregnada.Tempo sem
arte.
RETORNO – Imagem desta edição: Penélope Cruz.