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19 de novembro de 2009
NÃO SABEM O QUE FAZER COM GETÚLIO VARGAS
Como tratar assuntos candentes como Villa-Lobos, o futebol brasileiro, a cultura no século 20 se no meio existe uma batata quente, uma pedra, um complicador chamado Getúlio Vargas? O ideal seria colocar todos esses assuntos ao largo do grande estadista, não dar destaque à extrema “coincidência” entre a Era Vargas e o que o Brasil produziu de melhor. O normal é ver uma contradição ou uma charada sem solução e assim negar a existência do Brasil soberano, aquela fase da vida nacional em que nos superamos em tudo e que foi soterrada lentamente, mas de maneira inexorável, a partir do suicídio do Vargas em 1954 e de maneira radical e brutal de 1964 em diante.
Hoje, vemos o maestro John Neschling se atrapalhar tentando enquadrar Villa-Lobos, que, segundo sua argumentação, não pode ser endeusado. Não se pode exagerar abordando sua obra, diz o maestro, não podemos equipará-lo a Bela Bartok ou Stravinski, mas também não podemos diminui-lo em relação a esses grandes compositores. Não podemos chamá-lo de gênio, apesar de ter feito coisas geniais, devemos guardar “as devidas proporções” e reconhecer que ele, mesmo quando faz coisas banais (e fez muito, pois tem mais de mil composições) conseguiu momentos de gênio. Essa é a argumentação atrapalhada de Neschling. Por que não reconhecer logo o gênio, sem reparos e subterfúgios? Porque era brasileiro? Porque era autodidata? Porque não se enquadrava? Ou porque estava ligado a Getúlio Vargas? Se estava ligado a Ge´tulio, não poderia ser tão bom assim. Aí tem.
Junto com ele, meu ex-colega da Ilustrada dos anos 70, João Marcos Coelho (ele cobria música erudita e eu rock) fala como Villa Lobos foi tratado aos pontapés pela vanguarda brasileira contaminada pelos europeus. E que é preciso valorizar o que é nosso, pois até hoje a memória de Villa-Lobos se ressente desse boicote. Bastaria, Joãom Marcos, colocar o massacre contra Villa-Lobos como decorrência da campanha caluniosa contra Getúlio Vargas. Assim faria sentido. Pois a fonte da má-vontade sabemos qual é. Villa-Lobos escreveu uma carta a Getúlio Vargas propondo uma revolução cultural por meio da música, para que ela pudesse estar à altura das propostas da revolução de 30. Depois, no Estado Novo, foi a grande figura dos corais de milhares de vozes, da implantação de uma política educacional que gerou inumeráveis grandes artistas entre nós.
Tivemos Elis, Milton, Chico, Edu e centenas de outros de grande qualidade porque tivemos antes Villa trabalhando no governo Vargas, que implantou a música como matéria obrigatória nas escolas (parece que vai voltar a lei; o sertanojo e o baticum agora serão ensinados nos colégios?). Mudou um pouqunho nos últimos anos. Reconhecem que ele foi o maior estadista brasileiro, mas não abrem mão de debochar, colocando-o como amante de Virginia Lane, por exemplo (talvez para contrabalançar o fato de que FHC está sendo descoberto como o grande fazedor de filhos fora do seu festejado casamento, uma espécie de presidente paraguaio Lugo tardio).
O historiador e jornalista do Grupo Estado, Marcos Guterman, falando sobre seu livro, "O Futebol Explica o Brasil", destaca a copa de 1938 como o grande momento em que o futebol virou identidade e fenômeno nacional, incentivado por Getúlio Vargas “então ditador”. O bom seria que o futebol deixasse de ser gringo e branco entre nós e virar mulato e brasileiro sem que o Getúlio existisse, assim ficaria como mais um feito do bom mocismo bem pensante que hoje domina o país. O fato de o futebol ter se modificado nos anos 30, época do governo Provisório e depois do Constituinte, ambos de Vargas, não significa nada. O importante é lançar os holofotes na “ditadura”, para que possamos bater no peito e achar que vencemos a tirania.
Ficaria mais fácil reconhecer que estão todos errados, que tivemos tudo isso graças a Getúlio Vargas e à revolução de 1930. Vou refrescar a memória. Candidato derrotado por fraude eleitoral em 1929, Getúlio pôs-se à frente de um movimento armado de massas e venceu. Saneou as finanças públicas, renegociou a dívida externa e iniciou o processo de industrialização para atender o mercado interno e de valorização dos produtos de exportação. Foi também vitorioso contra a tentativa de recaída para República Velha em 1932. Venceu as eleições da Assembléia Constituinte em 1933 e assumiu como presidente eleito em 1934. Em 1937, para evitar um golpe nazista (soma do integralismo e da porção nazista das Forças Armadas, alarmadas com a quartelada comunista de 1935), implantou o Estado Novo, de cunho nacionalista.
Foi quando instalou a siderúrgica de Volta Redonda, criou uma moeda forte, o Cruzeiro (moeda brasileira e não uma unidade de arrecação da pirataria internacional, como o real - plural réis, dos mil réis). Consolidou as leis trabalhistas, hoje em fase de sucateamento. Também inaugurou políticas públicas inéditas de saúde, educação e esportes. Não só zerou a dívida externa, como fez o Brasil tornar-se credor das grandes potências. Tínhamos divisas e não, como agora, dólar compartilhado com o FMI e os governos imperiais, que quando querem lançam mão da bufunfa (é quando “emprestamos” para o FMI).
Quando, terminada a guerra, preparava o país para a reconstitucionalização foi derrubado por um golpe militar em 1945. Voltou eleito pela massa numa vitória estrondosa em 1950. Foi levado ao suicídio em 1954, depois de intensa campanha golpista.
Viu? É fácil. Fica melhor para entender porque surgiram tantos gênios na época, porque nossa música, o futebol, a indústria brasileira começaram a se destacar. Foi o Getúlio Vargas. Culpa dele. Podem dizer. Eu deixo.
RETORNO - Imagem desta edição: Ary Barroso e Heitor Villa-Lobos. Hoje, os destaques são Lady Gaga e Sting.
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