9 de julho de 2009

SINISTRUS JOE E A BARCA DE CARONTE


Nei Duclós

Não tenho falado de Sinistrus Joe porque não costumo visitá-lo com freqüência. Nossa antiga amizade não é suficiente para eliminar o desconforto que ele sente quando aporto na curva da praia. O sábio do puxadinho de pedra, de cara, me aplica as expressões tiau-pra-ti que eu ensinei e que eram comuns na minha terra:
- Tu por aqui? Chegaste agora? E quanto tu vais? Demoras?


Um dia perguntei o motivo da má vontade, se era pessoal. Ele falou que não.
- Passei a minha vida visitando os outros e agora só quero sossego em casa. Não gosto que venham me incomodar aqui onde me refugiei, diz, sem nenhuma ponta de arrependimento diante da visita.
- Mas o que aconteceu de tão grave nessas visitas?
- Vi esses dias uma mini-série produzida aqui no sul que começa com um ágape desses em casa concebida na arquitetura da maconha, conhece?
- Não tenho a menor idéia.
- São essas casas de pé alto, grandes salas, degraus fazendo de conta que são divisórias, salas no sótão com grande janelas para melhor espalhar a fumaça do fumo. Conhece? Tem em todo o litoral, nas serras e até nos subúrbios metidos a besta. É a primeira coisa que me irritava quando eu chegava para conhecer o lar alheio. Depois vinha uma sucessiva intragável e certeira de lugares comuns. O vinhozinho maneiro, o camarazinho não sei o quê, o churrasquinho light, o pratarrão de salada, o arroz amarelo. Tudo com pimentinha, orégano, alho poró e outras gororobas.
- Mas não é bom, não é legal?
- Em tese sim e até eu me divertia às vezes. Mas normalmente me escolhiam para ser a curiosidade da festa. Um dia cheguei de taxi, e foi um escândalo. Como poderia uma criatura, tida como humana, tanto é que foi convidada para o ágape, não ter um carro? E eles dizem carro carregando os erres no fundo da garganta, como um pigarro de coronel, entende?
- Mas tu é implicante, hem, Joe.
- Nada. Aí me colocavam na mesa, sentado no banco mais baixo. Nunca me alcançavam nenhum prato, mas pediam a toda hora para eu passar não sei o que. Quando eu resolvia tomar a iniciativa e me servia, alguém me olhava feio, censurando. Aquilo que eu estava me servindo ou era para a nonna, um visitante mais ilustre, o padre, o pica doce da hora, por aí vai.
- Aliás, continuou o irascível forasteiro, sempre que eu chegava na casa, era a hora errada. Cedo demais, quando nem tinham ainda se preparado e acabavam me dando serviços subalternos para fazer. Ou tarde dmais, quando todo mundo estava ambientado e me davam aquele olhar mortal que me fuzilava o tutano.

Joe continuou com sua arenga:
-Mas o pior mesmo é o cônjuge de quem me convidava. Se fosse esposa, ela se agarrava no filho, certamente para eu não machucar a criança ou dava um encargo para o marido - sair para comprar cerveja, por exemplo – pois assim impedia que o cara me desse atenção. Se fosse marido, então, era pior. O cara começava a rosnar no aperitivo e só terminava quando eu ia embora.
-Então você visitava pessoas desconhecidas, inimigos, gente bruta.
- Nada, colegas de profissão, vizinhos, pessoas que tinha conhecido anos antes e queriam porque queriam me ver. Mas eu sempre me arrependia. E tinha que aturar ainda por cima o cachorrão da vez. Pois é costume, nessas visitas que a gente faz, a presença maciça de um rottweiler, um cão fila, um mastodonte qualquer, gigantesco, com o focinho molhado, que vem te assediar e todo mundo acha uma gracinha. Fareja quase tocando o teu saco, lambe a tua cara, tudo sob o olhar complacente dos donos da casa, dos filhos bandidinhos deles ou do chato – e sempre tem um – que fica rindo.

- Bueno, falei, chega por hoje, não é Joe? Me convenceste que minha visita é inoportuna.
Ele não disse nada. Fui então me retirando. Quando eu ia subir a ladeira do morro para pegar a trilha ele gritou:
- Vê se aparece.
Era quase um eco. Olhei para trás. Sinistrus Joe me pareceu mais velho do que nunca. Abanando pateticamente para mim, talvez arrependido de ter me tratado tão mal. Talvez queira ficar sozinho de vez porque sente que está chegando sua hora. E não quer testemunhas. Espera a barca de Caronte com o punho cerrado, onde guarda uma moeda de cobre, para pagar a última travessia.

Grande Sinistrus Joe, a pessoa que sobrou em todos os momentos e hoje mora com as baleias do inverno, as tainhas do outono, as gaivotas e os raros amigos que não dão bola para suas manhas e ainda o visitam.

RETORNO - Imagem desta edição: La barca de Caronte, de Jose Benlliure Y Gil (1855-1937)

EXTRA - Obama olha “em direção” à brasileira, negra, menor, carente, escolhida para participar da reunião do G-8. O olhar, o gesto, a cara de sem-vergoinha, não deixam dúvidas: é pura sacanagem. O gnomo, o presidente francês, olha divertido (como a dizer: “é isso mesmo, está dando sopa, aproveite”) o gesto do americano com tesão pelo que o Brasil oferece nas viagens intermináveis do ”cara”. O mesmo que presenteou Obama com uma camiseta autografada da seleção. Vejam a expressão de Obama (está em todos os jornais): é puro deboche. Eles nem consideram o futebol, chamado de soccer. Também cagam e andam para o Brasil, palhaço do mundo sob este governo irresponsável, cretino e criminoso. Enquanto os bandidos viajam, os seus asseclas, os bandidos que eles deixam soltos, matam adolescentes com balas perdidas. Vejam a oração desesperada da mãe que quer a filha de volta. A mesma filha que morre com um tiro na boca. Chega, porra!

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