Blog de Nei Duclós. Jornalismo. Poesia. Literatura. Televisão. Cinema. Crítica. Livros. Cultura. Política. Esportes. História.
31 de julho de 2009
O JOGO DAS REPRESENTAÇÕES
Nei Duclós
Implico com a idéia de que as brincadeiras da infância são treinamento para a vida adulta. Insistem tanto que muita gente não cresce, prefere levar tudo numa boa, e, por qualquer motivo, faz o velho trenzinho nas festas, para desespero de amigos e parentes. Transpuseram essa certeza para os documentários sobre a vida selvagem. Os leõezinhos se pegam para que os músculos fiquem ágeis e fortes em função de futuras caçadas. Imagino a genialidade dos pesquisadores enxergando a mente dos bichos, quando ainda acham que animal não tem inteligência. Esses dias vi um vídeo em que a arara abria a torneira, tomava banho, e fechava. Instinto, claro. Treinamento, óbvio. Raciocínio? Jamais!
Assim como fazem com os animais, fazem com as crianças, que não passam de uns pets com a nossa cara, conforme o figurino das teorias e análises. Pelo menos as mais explícitas e evidentes, já que não sou especialista no assunto e ainda não sei se alguém chegou à mesma conclusão da brava equipe que levou décadas para provar que o leite faz bem. Puxa, que revelação! A ciência não cansa de me deslumbrar. Deviam dar um Nobel para nossos avós.
Acho esse assunto um pouco mais complicado do que a simples lógica de que a infância é a pré-estréia da maturidade. Acho que uma criatura, logo que nasce, se desenvolve e convive com os mais velhos em volta, mora num mundo mental sem conexão com nossas expectativas. Apesar de serem paparicados, banhados, vestidos, levados para cá e lá, estão sós, como qualquer ser humano sobre a terra. A única coisa real que dispõem (já que não possuem a memória de vivência anterior, como os adultos, que se valem da memória para tudo) é o jogo das representações.
Elas se envolvem nisso para chegarem a resultados. Uma criança não é nada, depende de tudo e de todos. Ela precisa criar uma roda vida com personagens identificáveis para chegar a algum lugar verdadeiro, longe do zoológico, da escolinha, da sala de visitas. E esse lugar é a mente habitada por inúmeras representações. A menina faz o papel da mãe, por exemplo. Claro, instinto, dirão, a maternidade já está implícita na garota. Isso é confirmado quando ela coloca o sapato, pinta a boca, usa um colar e uma blusa que lhe cai como um vestido. O que ela está fazendo? Brincando. O que pega na brincadeira?
Ela dá vida a um personagem, que tem a aparência da mãe e ao mesmo tempo não é a própria. Nem mesmo é a futura mamãe que será. Ela encarna a persona que irá movimentar outras peças de seu tabuleiro particular, e que tem regras próprias, fora de nossas determinações. Várias dessas peças são bonecas, ou cabeças de bonecas, que encarnam fadas, coleguinhas, vizinhas. Outro elemento é o transporte, representado por algumas cadeiras em fila, que podem ser um trem ou um ônibus. A pergunta continua: o que ela está fazendo? Treinando para quando for adulta e tiver de se relacionar com inúmeras pessoas, se locomover para trabalhar e assim poder ganhar a vida?
Seria muito desplante acharmos que as crianças vão imaginar a submissão à vida adulta. Elas já tem outro tipo de pressão. Tudo o que você vê em volta e considera normal, para um menino, uma menina, é a terra dos gigantes. Os lugares que você costuma freqüentar ou usar são inacessíveis. A caixas de bancos cospem dinheiro, é só ir lá e pegar. Tudo o que está no supermercado está disponível. Tudo o que ela faz e é considerado perigoso se repete ao infinito. Ou seja, se é outra a lógica infantil, por que estaria se sintonizando com a vida adulta?
Ela precisa resolver vários impasses. Ser uma mãe que possa lidar. Subir num veículo que permaneça parado à sua espera e ao mesmo tempo a transporte para o bosque encantado. Colecionar miniaturas que estão sempre à disposição. Inventar que existem conflitos entre essas peças para estabelecer conexões e poder viver nesse jogo (aí ela exige certas falas dos adultos para o jogo funcionar). Porque é também uma questão de sobrevivência, só que não implica contas. A criança multiplica o mundo infantil pra que haja espaço onde possa se movimentar.
A infância nada tem a ver com o mundo adulto. Utiliza elementos dele, mas se movimenta em outras esferas. Por isso é trágico, na publicidade, ver crianças com frases adultas decoradas para vender porcarias. Nem conseguem articular. É língua estrangeira. O que devemos fazer? Participar do jogo? Nem que você queira. O ideal é deixar quieto, interferir só quando a brincadeira exige cuidados e não tentar entender o que eles estão fazendo. Não seja impaciente nem arrogante. Ninguém abre tuas gavetas para enxergar teus esqueletos no armário. Vai querer saber tudo do mundo infantil?
Quando a pessoinha cresce, fica pior. Na adolescência, o jogo de representações é ainda mais isolado e torna-se pesado. Continua à parte do mundo adulto. O troço pode degringolar. Culpa de quem? Dos adultos que ficaram enchendo o saco da criança, que não consegue se defender. Quando o sujeito aumenta de peso, fica complicado. Se nos dedicássemos a algo mais proveitoso, como respeitar o mundo infantil em sua especificidade, não enxergar o que queremos ver, não achar que eles imitam os adultos como cachorrinhos amestrados, aí teremos uma chance quando forem adultos.
A criança crescida, agora não mais criança, virá para te dizer: “Obrigado. Gostei que não pisoteaste a vida que eu inventei quando não tinha nada, apenas teu apoio e compreensão”.
RETORNO - Imagem desta edição: Uma princesa, trabalho de Juliana Duclós.
BATE O BUMBO: FUTEBOL NA ACADEMIA
Meu texto “A Geometria do jogo”, publicado aqui no Diário da Fonte e no meu site, foi escolhido como material didático para o ensino da matemática e para trabalho interdisciplinar de Português, Educação Física e Arte pela UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CENTRO-OESTE, do Paraná.
É o que está escrito neste endereço:
"A Geometria do Jogo - Produção jornalística de autoria do poeta, jornalista e escritor Nei Duclós. Ele escreve sobre a relação entre o jogo de futebol e a geometria. Relata a influência e aplicabilidade dos conceitos geométricos para
determinar os limites do campo, as regras, as estratégias de jogo, os
passes dos jogadores de futebol. Leitura agradável e que desperta a atenção pelas comparações, definições e aproximações do conteúdo abstrato com fatos concretos do dia-a-dia. Sugestão para trabalho interdisciplinar com as disciplinas de Português, Educação Física e Artes. Publicado no site de Nei Duclós. 28 de Maio de 2005."
SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO/ SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO/ PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL – PDE/ UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CENTRO-OESTE/ MATERIAL DIDÁTICO/ PROFESSOR PDE: SILMARA HAMMERSCHMIDT/ 1.2 ÁREA: MATEMÁTICA/1.3 PROFESSOR ORIENTADOR (IES): ARILDA MARIA PASSOS/ 1.4 NÚCLEO REGIONAL: PATO BRANCO/ Identificação do Conteúdo: Matemática Ensino Fundamental/Conteúdo Específico: Ponto, reta e plano.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário