Nei Duclós (*)
Escritor não escreve. Quem escreve é escrivão, redator, escriba. Escritor se transforma na própria palavra que inventa. Cria a linguagem na mente. Ao passar para o papel, ou a tela do micro, é para aprimorar, compartilhar, mas não se trata da essência da atividade. Por isso é ilusório sonhar em abandonar tudo, ir para o ermo e lá perpetrar o romance da sua geração. Ou você já tem o bicho alinhavado na cabeça ou não tem. Se não tem, é perda de tempo esse sonho de sair da reta para poder pegar a manha na curva.
Um escritor cria caminhando, de olho parado. Ou quando é colhido pela “surpresa de uma informação inesperada” proferida por acaso, como explicou Joseph Conrad numa nota sobre “O Agente Secreto”. De repente, num lance de mistério, nasce um livro. Que, se for de escritor, muitas vezes passa despercebido. Soube de uma tarde de autógrafos em que Jorge Luís Borges ficou às moscas. Mario Quintana depositava-se nos bancos da Praça da Alfândega sem atrair a atenção de ninguém. Quando se foi, lembraram de eternizá-lo em bronze na mesma posição.
Grandes escritores jamais escreveram uma linha, como Homero. Não que o fundamental fosse a narrativa oral, reproduzida depois, por outros, no papel. O importante é que suas histórias moravam nele. Um escritor é um ser improvável que muda o mundo sem que ninguém se dê conta. Por não ser reconhecível, é substituído pelos escrevinhadores, os profissionais do teclado, os que fazem cara de paisagem sugerindo produção de pensamento enquanto olham ao longe.
Por isso é constrangedor pedir que um escritor produza algo sobre determinado assunto. Seria como colocar um pássaro dentro de um grão de areia. Ou um cântaro sem água numa sede que desconhece a existência do oásis. É uma aberração, um acinte. Um escritor não tecla, ele simplesmente te devora, a ti e a tua vida e a coloca num rio virtual de revoadas, como andorinhas de seda sopradas pelas ondas.
Não que teclar seja algo servil ou abjeto. É apenas outra coisa. Não faz parte do escritor. Este, é uma teia que se desfaz em linhas que te enredam, como um cachecol herdado, um pente de marfim, um tiro dado antes do armistício. É pura mágica. Não pergunte como consegue. Nem ele sabe.
RETORNO - 1. (*) Crônica publicada nesta terça-feira, dia 3 de março de 2009, no caderno Variedades, do Diário Catarinense. 2. Imagem desta edição: foto de Juliana Duclós sobre seu trabalho Maricota ll - acrilica s/ Painel - 10cm x 10 cm.
BATE O BUMBO: O SUL DO BRASIL EM 1942
1. Cabeto Bastos, meu amigo de infância e o mais gentil e culto dos uruguaianenses, me envia o endereço do vídeo que a secretaria de planejamento do governo americano tinha do sul do Brasil no ano de 1942. Retrata as principais capitais e cidades portuárias. Paranaguá, Floripa, Rio Grande, Pelotas e Porto Alegre. Cenas maravilhosas do país que foi mais tarde destruído. O pampa gaúcho, hoje em decadência, em seu máximo esplendor. Pessoas fortes, ativas. Cidades limpas. Nação orgulhosa de si, naquela época hoje tão caluniada.
2. Foi reproduzida no blog Notícias Militares , na íntegra, a resenha sobre o livro Osorio e seu tempo, de José Antônio Severo, escrita por Rodrigo Uchôa e publicada em página dupla no caderno Eu do jornal Valor Econômico de 27 de fevereiro de 2009.
3. Meu texto sobre John Reed, publicado originalmente no Comunique-se, foi editado de maneira primorosa e reproduzido no prestigiado site do Observatório da Imprensa.
Escritor não escreve. Quem escreve é escrivão, redator, escriba. Escritor se transforma na própria palavra que inventa. Cria a linguagem na mente. Ao passar para o papel, ou a tela do micro, é para aprimorar, compartilhar, mas não se trata da essência da atividade. Por isso é ilusório sonhar em abandonar tudo, ir para o ermo e lá perpetrar o romance da sua geração. Ou você já tem o bicho alinhavado na cabeça ou não tem. Se não tem, é perda de tempo esse sonho de sair da reta para poder pegar a manha na curva.
Um escritor cria caminhando, de olho parado. Ou quando é colhido pela “surpresa de uma informação inesperada” proferida por acaso, como explicou Joseph Conrad numa nota sobre “O Agente Secreto”. De repente, num lance de mistério, nasce um livro. Que, se for de escritor, muitas vezes passa despercebido. Soube de uma tarde de autógrafos em que Jorge Luís Borges ficou às moscas. Mario Quintana depositava-se nos bancos da Praça da Alfândega sem atrair a atenção de ninguém. Quando se foi, lembraram de eternizá-lo em bronze na mesma posição.
Grandes escritores jamais escreveram uma linha, como Homero. Não que o fundamental fosse a narrativa oral, reproduzida depois, por outros, no papel. O importante é que suas histórias moravam nele. Um escritor é um ser improvável que muda o mundo sem que ninguém se dê conta. Por não ser reconhecível, é substituído pelos escrevinhadores, os profissionais do teclado, os que fazem cara de paisagem sugerindo produção de pensamento enquanto olham ao longe.
Por isso é constrangedor pedir que um escritor produza algo sobre determinado assunto. Seria como colocar um pássaro dentro de um grão de areia. Ou um cântaro sem água numa sede que desconhece a existência do oásis. É uma aberração, um acinte. Um escritor não tecla, ele simplesmente te devora, a ti e a tua vida e a coloca num rio virtual de revoadas, como andorinhas de seda sopradas pelas ondas.
Não que teclar seja algo servil ou abjeto. É apenas outra coisa. Não faz parte do escritor. Este, é uma teia que se desfaz em linhas que te enredam, como um cachecol herdado, um pente de marfim, um tiro dado antes do armistício. É pura mágica. Não pergunte como consegue. Nem ele sabe.
RETORNO - 1. (*) Crônica publicada nesta terça-feira, dia 3 de março de 2009, no caderno Variedades, do Diário Catarinense. 2. Imagem desta edição: foto de Juliana Duclós sobre seu trabalho Maricota ll - acrilica s/ Painel - 10cm x 10 cm.
BATE O BUMBO: O SUL DO BRASIL EM 1942
1. Cabeto Bastos, meu amigo de infância e o mais gentil e culto dos uruguaianenses, me envia o endereço do vídeo que a secretaria de planejamento do governo americano tinha do sul do Brasil no ano de 1942. Retrata as principais capitais e cidades portuárias. Paranaguá, Floripa, Rio Grande, Pelotas e Porto Alegre. Cenas maravilhosas do país que foi mais tarde destruído. O pampa gaúcho, hoje em decadência, em seu máximo esplendor. Pessoas fortes, ativas. Cidades limpas. Nação orgulhosa de si, naquela época hoje tão caluniada.
2. Foi reproduzida no blog Notícias Militares , na íntegra, a resenha sobre o livro Osorio e seu tempo, de José Antônio Severo, escrita por Rodrigo Uchôa e publicada em página dupla no caderno Eu do jornal Valor Econômico de 27 de fevereiro de 2009.
3. Meu texto sobre John Reed, publicado originalmente no Comunique-se, foi editado de maneira primorosa e reproduzido no prestigiado site do Observatório da Imprensa.
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