13 de janeiro de 2009

CLIMA


Nei Duclós (*)

Veio o frio e todos reclamaram. O frio então foi embora. O inverno ofereceu o ar morno da sua traição. Isso provocou chuva intensa na estação seguinte. Amaldiçoaram o aguaceiro, que empilhou nas calçadas a sucata das dívidas, com suas imitações de madeira, como se os móveis cumprissem um destino descartável por meio da tempestade. As nuvens então se recolheram. O resultado foi a seca.

Chegou a época do calorão, mas ninguém mais suportava ficar embaixo do sol, nem mesmo à sombra. Era preciso tomar uma providência. Os ventos se encarregaram de varrer o verão para debaixo do tapete e ficou apenas aquele clima de árvores agitadas por ciclones. O outono veio na seqüência, alternando tardes perfeitas de março-abril com noites levemente frias e enluaradas. Parecia o melhor dos mundos. Havia enfim equilíbrio.

Mas começaram a reclamar que não havia mais inverno, nem primavera, nem verão, nem outono. Que tudo estava virado pelo aquecimento da terra e faltava pouco para que continentes de gelo migrassem dos pólos para as praias. Os elefantes já estavam alertas, com suas grandes orelhas de radar. Os macacos deixavam momentaneamente de azucrinar turistas para prestar atenção em prováveis tsunamis.

Qual seria a natureza do novo clima? Seria o império da sensação térmica, conceito inexistente até alguns anos atrás? Pois o termômetro deixara de ser confiável. Se ele marcasse 34 graus, você estaria sofrendo mais de 40. Uma brisa encanada poderia transformar a Amazônia no Canadá. Com a sensação térmica no poder, triunfaria a percepção sobre os fatos. As ciências humanas venceriam finalmente as matemáticas. Haveria a vitória total do lugar comum: o sonho se transformaria em realidade.

Seria a paz, finalmente. Pois sem as evidências científicas, todos se entregariam à orgia dos desejos. Bastaria um estalar de dedos para gerar uma lua cheia. As estradas poderiam ficar submersas que ninguém se importaria. Milhões morreriam num fim de semana, mas nada iria superar os momentos de gozo no litoral.

Com todas as estações ao alcance da mão, o único contratempo seria suportar o noticiário sobre a guerra. Para quem pedir o impossível, o fim do massacre das crianças?

RETORNO - 1. (*) Crônica publicada nesta terça-feira, dia 13 de janeiro de 2009, no caderno Variedades, do Diário Catarinense. 2. Imagem desta edição: Vespas, foto tirada em Roma por Daniel e Carla Duclós.

Nenhum comentário:

Postar um comentário