25 de janeiro de 2009

ATUAR NÃO É FINGIR

Hillary Clinton (foto), ao tomar posse no seu novo cargo, parecia que estava assumindo a presidência. Ela confundiu os personagens. Mostrou o que está sentindo: a necessidade de apagar a derrota pela indicação do partido. Vai causar problemas a Obama. Sairá em menos de um ano. “Atuar é fingir”, disse uma vez Tônia Carreiro. Não é. Fingir é fingir. Atuar é outra coisa. Quando Hillary e Tony Ramos “atuam”, estão fingindo, portanto se entregam, fica fácil ver o que tentam mascarar, o truque fica explícito. É porque não sabem atuar.

"Não consigo viver o personagem. Não há a menor possibilidade de eu levar um personagem para a minha casa!", disse Tony Ramos à Folha neste domingo. Nem precisava dizer. Seu grego naquela novela, chupado de Anthony Quinn em Zorba, em que batia palmas e levantava os braços estalando os dedos, era uma performance de chorar. "A representação está em não complicar", diz ele. "Além de entender, compreender e decorar, é preciso saber que você não é aquele personagem e brincar com ele". Se você não é o personagem, então não está atuando. O ator é o personagem. Não finge.

Vejam James Stewart, por exemplo. Ator de grandes clássicos do cinema, inumeráveis, trabalhou com mestres, sabia o que estava fazendo. Vamos pegar dois momentos em dois filmes opostos, o faroeste Winchester 73, de Anthony Mann, e Shop around the corner, de Ernst Lubistch. É quando a câmara foca em close seu rosto. No papel do fazendeiro que sai à caça do irmão bandido, ele tem uma surpresa ao encontrar seu inimigo num bar. O susto que leva é legítimo, seu rosto, de traços comuns, redondos, o que lhe dá um aspecto físico infantil, se transforma e fica sinistro, amedrontador e ao mesmo tempo aparvalhado com a possibilidade ali mesmo de se chegar a um desenlace. Leva a mão ao coldre, mas ele está vazio, por ordem do xerife. Há grande desamparo nessa expressão. James Stewart é aquele fazendeiro, não está fingindo. Levou o personagem para casa e acordou com ele.

Em A loja da esquina, a câmara também se aproxima do rosto dele no momento da revelação, em que prova para a amada que ele é o cavalheiro anônimo que lhe enviava cartas. Sua expressão é de extremo desamparo, pois ele não sabe se será aceito por aquela que cevou tanto preconceito contra ele. Ele arrisca e espera. Ao mesmo tempo, aproxima-se da mulher como se o seu corpo implorasse para ser aceito. Jogou todo seu charme e ternura para o amor da sua vida, que podia escapar num segundo. Ele dependia dela. E teve de se submeter a um teste: levantou a barra das calças para mostrar que não tinha as pernas tortas. A mulher não queria defeito físico, queria o homem ideal.

Ele então mostra suas pernocas precárias, escassas, com meias seguradas por ligas, uma imagem bizarra, de dar dó. Stewart levanta as calças e olha para ela, com aquele olhar pidão. Ela se emociona e o beija subitamente. É quando o filme acaba. Tinha se apaixonado pela pessoa, fora dos esquemas ideais, pelo cara mesmo e toda sua precariedade. É de uma beleza sem fim. Por que? Porque aqueles dois protagonistas, naquele momento, jogavam tudo em cena. Estavam perdidos, poderiam mesmo se separar naquele instante. Mas deu certo e essa felicidade transborda da tela e chega até nós como uma avalanche. Grandes atores.

Imaginem se num segundo que fosse James Stewart desconfiasse que não era aquele cara confuso e apaixonado, que passou por tantas dificuldades e agora jogava sua última cartada. Isso iria transparecer na tela. O que vemos não é a contradição entre o ator que finge e o personagem forçado, mas sim a confusão legítima da criatura que está na tela, que é o ator em toda a glória de uma arte, a representação.

Nenhum comentário:

Postar um comentário