Nei Duclós (*)
Ainda existem portões e não se trata de nostalgia. O casario domina o território da nação, apesar das imagens de megalópoles feéricas e a onipresente síndrome dos edifícios. E por mais que se fale em mudança de costumes, a unidade familiar é hegemônica, com seus encaminhamentos tradicionais. Tenho visto casais grudados na fronteira entre a casa e a rua e não noto nada de diferente do tempo em que também participei desse jogo de cena, em que os corpos e mentes ensaiam uma sintonia, sob a guarda de olhos atentos.
O que mudou um pouco foram as roupas. Não usávamos bonés e as meninas privilegiavam os vestidos e não as calças compridas. Diminuiu a diferença nas aparências, por força dessa uniformização ditada pelo ganho de escala da indústria de tecidos e roupas. Enquanto as passarelas exibem peças de arte, em modelos propositadamente mínimos (para que se destaque a obra), que são mais para serem vistas do que usadas, sobra por todo canto a indumentária chapada em suas leis rígidas: tênis, camiseta, casaco, blusa.
Não mais o farfalhar de saias, os joelhos unidos no caminhar em tubos justos, plissês encimando meias brancas até a uma altura tentadora. Ou mesmo cintos que estrangulavam cinturas, espalhando, em conseqüência, as curvas que navegavam ao ritmo de animadas melodias, só ouvidas pela admiração datada, a que pega fogo nos verdes anos principalmente. Também ficaram de fora, para os rapazes, as bainhas italianas, a emprestar charme ali pelo nível do tornozelo, as golas pontudas, os casacos de lã acompanhados às vezes por um lenço displicente imitando uma flor no peito ansioso.
Mas não importa. A moda serve para marcar o tempo e quando desaparece sabemos que fazia parte da pele e, se voltar, jamais será a mesma, pois os biotipos humanos mudam e talvez seja por isso que Humphrey Bogart não tenha substituto, nem Ingrid Bergman possa ser vista numa dobra de esquina. Mesmo assim, o que vale é o beijo roubado, o pega-pega onde a prudência estimula a emoção e cada gesto é um aviso no caminho tortuoso em direção ao amor.
Pois, para que haja namoro no portão, daquele tradicional, é preciso, primeiro, haver mais limite do que atração. O portão é a representação dessa confluência entre a vontade e a permissão. O namoro fica sendo então um exercício de paciência, uma trilha complicada, uma gentileza entre as partes, esse passo além do flerte, que aproxima, mas ainda mantém distância. Não seria simplesmente a farta avenida que promete liberdade, mas de fato entrega horizontes curtos. Um caminho difícil tem a promessa de paisagens mais amplas quando enfim se chega ao topo.
E o topo, para quem amargou o Inverno ao relento, seria o sofá comum de uma sala acolhedora. É quando o portão enfim se abre para as apresentações do entorno: irmão, irmã, pai, mãe, tia, avó, cachorrinho. As mãos dadas já são oficiais. Os beijos em público, tolerados. E os interrogatórios, insistentes. Um namorado firme precisa ter um arsenal de respostas para o caso de investigação acima de suas forças. Era assim antigamente e deve continuar sendo, ainda mais que as suspeitas, a violência, as armadilhas se multiplicaram. O que era apenas sugestão virou realidade.
O namoro se conjuga fora dos domínios do verbo ficar, que é mais antigo do que andar a pé, pois o grude instantâneo e sem conseqüências sempre se infiltrou nas festas da moçada. Talvez não esteja mais direcionado diretamente e de maneira exagerada para o casamento. Diante da escassez de relações humanas duradouras e respeitosas, um acordo que se quer monogâmico e que ultrapasse o momento inicial do toque, sempre é bem-vindo. Um casal é mais tranqüilo do que uma turma, mesmo que muitos casais se enturmem para fazer algo fora dos olhares temerosos.
Uma ligação a dois ser reconhecida pela comunidade etária dos envolvidos é sempre uma vantagem para quem anda a esmo pelas ruas ou noites, preenchendo o tempo com experiências que nem sempre acabam bem. O encontro no portão é o sinal mais evidente de que algo há entre o garoto que saiu da sua casa em direção ao bairro da pretendente, e da moça que aguarda a chegada do forasteiro que pretende roubar-lhe o coração. Mesmo que digam que isso é coisa do passado. Não é. Quando vejo uma cena dessas, acredito que nem tudo está perdido.
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