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4 de setembro de 2007
HORÁRIO DE ALMOÇO
Nei Duclós (*)
Um dos hábitos antigos e que sobrevive em Florianópolis é o horário comercial dedicado ao almoço. Extinta nos grandes estabelecimentos e nas cidades que incharam e vivem sob o signo da pressa, essa instituição mantém-se firme com seu charme e suas conseqüências em alguns bairros. É tão arraigada que ouvi um dia a reveladora história de uma comerciante irritada com a fila de clientes que surgiram logo depois do meio-dia: "Não me apareçam mais aqui no horário de almoço", decretou a balconista e proprietária da portinha que atendia escassas demandas ao longo do dia.
Acostumada, talvez, à tranqüilidade do seu negócio, que lhe garantia uma ocupação e um pequeno rendimento, ela expressava sua ansiedade diante da obrigatória reunião ao redor da mesa com a família, que normalmente mora perto. Desnecessário dizer que aquela fila não só não voltou mais a se formar no fatídico período entre 12h e 14h, como em nenhuma outra ocasião. Pelo menos, não com as pessoas que foram expulsas pela fome de quem deveria atendê-las.
Desconheço o destino do estabelecimento. Talvez continue firme, já que muitas vezes o pequeno comércio depende do cliente que está de passagem e este não guarda mágoas duradouras, ou se guarda sempre tem alguém para substituí-lo. A fama que ele espalha de semelhante comportamento pode prejudicar, mas não dispomos de estatísticas sobre esse detalhe.
Já ouvi histórias ainda mais radicais, insufladas, talvez, pelo gosto de intensificar os conflitos e assim espalhar conclusões hilárias do episódio. Foi o caso do turista que chegou para almoçar no restaurante às duas da tarde e foi recebido pelos garçons ocupando a mesa central em alegre confraternização, que lhe jogaram o conhecido olhar fulminante de "tu, por aqui?". "Nesta cidade, até restaurante fecha para almoço", dizia o narrador, exagerando.
Já fui impedido de entrar em loja por atendente uniformizada que segurava a porta diante de mim. "O que está havendo, perguntei?" Era o horário de almoço, apesar de faltarem ainda cinco minutos para o meio-dia. O cliente poderia demorar na escolha e no pagamento e assim ultrapassar a faixa sagrada dedicada à refeição e ao descanso.
O comércio já entendeu o quanto esse tipo de hábito pode prejudicar as vendas e tomou providências. Mas fazer rodízio de funcionários é privilégio de quem tem mão-de-obra disponível para isso. Quem não possui ajuda externa costuma apegar-se ao costume e às vezes comete deslizes diante da freguesia. Nada grave para quem aprende a respeitar as leis da oferta, nem sempre acessível a quem está do lado da procura.
No fundo, a vida deveria ser um eterno horário de almoço. Do que precisamos tanto, afinal? Tudo pode esperar. Voltaríamos a nos reunir diariamente para saber das coisas que realmente nos interessam. Pois não é saudável conversarmos, de pé, sobre o novo produto que chegou, o anúncio mais repetido, a diferença de centavos entre um balcão e outro. O melhor seria ficar sentado na grama, fazer refeições ao lado de toalhas impecáveis, falando sobre o tempo e a eternidade, como sugerem as cenas de grandes pintores do passado. Aquilo sim era horário de almoço. Sem prazo para voltar ao batente.
RETORNO - 1. (*) Crônica publicada nesta terça-feira, dia 4 de setembro de 2007, no caderno Variedades do Diário Catarinense. 2. Imagem de hoje: o famoso lanche na grama, de Manet.
EXTRA - POESIA EM EXPOSIÇÃO E DEBATES
(Do Segundo Caderno da Zero Hora de hoje):
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