12 de outubro de 2020

O ÂNGULO RETO

Nei Duclós 


Um dia esqueceram de me buscar na saida do Jardim da Infância. Família grande, dedicada, mas acontece. Minha casa ficava a quatro quarteirões e meio da escola, uma enormidade para quem, aos 5 anos de idade, não ultrapassava o meio metro de altura.


Hoje todo mundo me acha bonitinho nessa idade quando mostro as fotos, mas eu me sentia cabeçudo e de orelha grande. Deslocado num ambiente estranho lotado de crianças eu me escondia num canto para escapar das atividades.


Quando todo mundo foi embora no meio dia assustador e eu fiquei plantado em frente ao grande portão marrom de madeira prestes a fechar, imaginei que não seria difícil me deslocar até o almoço seguro e o quarto amigável.


Eu já era homem feito e só faltava uma decisão. Tinha a meu favor a cidade onde nasci e me criei, toda ela plana com ruas e calçadas retas e espaçosas. Bastava vencer a meia quadra até a esquina e dobrá-la, tomando o rumo sem erro do destino.


Ninguém dava a mínima para um pitoco com 15 centímetros de altura (o susto me apequenou) pois criança sozinha era comum no Brasil da época . Não havia perigo numa região central, pois a escola ficava em frente à frondosa Praça Barão do Rio Branco.


Plano arquitetado, lá fui eu até a esquina e depois despacito para vencer o trajeto de meio quilômetro. Com meu guarda pó branco, top enorme caprichado no pescoço, venci a dobra do ângulo reto e caminhei com meus sapatinhos pretos singrando o calçamento de boa qualidade.


Cuidei dos carros ao cruzar as três ruas transversais à retidão da Bento Martins, e finalmente cheguei em casa sem correr nem nada.


Bati na porta para fazer uma surpresa. Foi um berreiro de espanto e susto:

- O guri veio sozinho!


Fui então celebrado pela minha coragem depois que os adultos se xingaram pelo esquecimento.


Eu estava tranquilo, saboreando o momento. Falei que eu já era um homem feito.



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