Nei Duclós
Cultura não se ostenta como um casaco fino, uma jóia
como um diploma, um gesto largo, uma comenda
Não é para esnobar o semelhante ou ser maior do que Deus
esse pobre concorrente. Nem para ilustrar estante ou fazer bonito
em conferências. Outorgar títulos e receber tapinhas nas costas
Nem serve para provocar assombros e exclamações de espanto
ou fazer a maior cara de nonchalance, subir nos palanques
a verberar citações antes em latim agora em novos cânones
Porque é sempre assim essa vaidade de sabichões falantes
que copiam pensamento enquanto assinam obras do alheio
ou pior, fingem que são bons demais para o país aos trapos
e que não são o retrato do monumento em torno, as ruínas
da nação que se foi nas mãos dos ímpios, espertalhões
posando em frente a grandes volumes jamais abertos
ou ágrafos boquirrotos a falar para a mocidade como se fossem
o destino manifesto de gerações que eles mesmos jogaram no lixo
Cultura é outra coisa. Serve para habitar o espírito longe das luzes
e desmascarar os farsantes desse circo de esterco
Cultura é você lendo o poema no cais onde o amor se despede
por desistir do país para plantar longe da fronteira a semente tirada
daqui, do baixo ventre. É o coração que sobrevive de olhos límpidos
púrpuro sopro que se confunde com a brisa do oceano e banha o interior
como salgada bênção. Essa é a cultura que recebi de mãos perfeitas,
a dos habitantes da grandeza que nos faz eternos.
Cultura sem rebuços, complicada, clara como um sol que nasce teimoso
na extrema indiferença que vamos enterrar com nossa gana de dizer
e de fazer o que nunca foi feito. A salvação conquistada a cada minuto
nesse tempo inventado quando decidimos ser o que sonhamos
e retomamos a palavra solta que pede uma nova chance
e compomos o poema em lugares ermos, longe do ruído que mata
e no nicho da nação a qual pertencemos, esplêndido berço
hino informal, lírico e épico, que soa no amanhecer a flor sinfônica
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