Nei Duclós
É
complicado, costumava dizer meu professor de História Colonial na USP, István
Jancsó, que infelizmente foi-se para o Outro Lado. Tínhamos alguns projetos da
Utopia Brasil, desde a tradicional “porque me ufano do meu país” até o novo
Processo Civilizatório de Darcy Ribeiro, que celebrava o brasileiro, o Zé
Ninguém, como resultado da convivência em nosso território de todas as
nacionalidades e raças. Passamos pela obra de Celso Furtado, a do
desenvolvimento focado na redenção humana do país, a de Caio Prado Jr., que
passou a limpo nossa História com um perfil teórico dialético, a teoria
brilhante de Raymundo Faoro em Os Donos do Poder (a melhor explicação sobre
nossa formação) e vários outros, como a pregação socialista ou o liberalismo
radical. Hoje, com a lista da corrupção, triunfa a ideia de entrega.
Não apenas a
entrega da nação, em seu solo, subsolo, empresas, mão de obra,
empreendedorismo, natureza, águas etc. Disso se ocupam os maganos desde priscas
eras e os atuais coveiros da Nova República. Mas levaram alguns trancos com os
projetos de Brasil que assumiram o poder, como foi o caso do Segundo Império,
que proibiu a navegação de cabotagem (qualquer navegação) no Amazonas (e é por
isso que temos ainda a mata lá), libertou os escravos ( e por isso foi derrubado),,
reflorestou a Tijuca depois que a mata primária foi devastada pelas plantações
de chá e impôs um rigor nas contas públicas que enchem de vergonha a
administração dos últimos anos. E também o projeto de soberania da Era Vargas,
que nos legou um parque industrial, as leis trabalhistas, a defesa dos recursos
naturais, a educação ´pública de qualidade (quem viveu, sabe).
Mas quem
venceu foi a entrega do país, não apenas de cima para baixo, como dentro de
cada um. Há convicção generalizada de que somos uma merda desde o Descobrimento
e que aqui só aportaram meliantes exilados de Portugal. Esquecem o Reino Unido
de Dom João VI, que abriu os portos, implantou a imprensa (que teve grande
liberdade no Segundo Império), trouxe luminares das artes e das ciências etc.
Esquecem a grande massa de mestres de ofício vindos da Alemanha e Itália, do
dinamismo oriental que gerou cidades e riquezas e do poder imperial de Portugal
que evitou o esfacelamento do país, coisa que aconteceu na Cucaracholândia, que
sonha com uma América Nuestra (jamais Nossa), ou seja, eles querem também ser
um Brasilzão.
A principal
entrega é esse pessimismo travestido de lucidez tardia, cheia de arrependimento
e acusações mutuas, de que não temos jeito mesmo pois elegemos a ratatuia que
nos governa porque somos idênticos a eles. Piada. Quem elege os políticos são
os políticos, jamais o povo. Achei que isso tinha ficado claro com a lista de
corrupção. Cada candidato precisa entregar as calças para receber uma baba e
conseguir os votos. Sem falar nas urnas eletrônicas viciadas, uma denuncia
recorrente que nunca dá em nada. E as mortes surpreendentes de candidatos que
poderiam ameaçar o equilíbrio imposto pelas quadrilhas .Temos então o
continuísmo do coronelismo dos donos do poder, sendo que os filhos e filhas dos
manda chuva assumem cargos importantes e assim tudo fica igual para todo o
sempre, à revelia do povo.
O povo é
honesto, decente e trabalhador. Precisa sobreviver num ambiente contaminado e
naturalmente interage com ele dividindo culpas no varejo, um fosso que se
aprofunda ao longo do tempo. Foi corrompido em muitas de suas ações pelo que
veio de cima, dos mandões que se perpetuam no poder por gerações e que
derrotaram todos os projetos da Utopia Brasil, usando-os para engabelar os eleitores.
O problema é que nos insurgimos sem conseguir mudar nada e nossas insurgências
são imediatamente apropriadas pelos mesmos de sempre, como aconteceu com as
Diretas Já e a Revolução de 2013, confundida com um aglomerado de hordas
fascistas portando verde e amarelo. Em 2013 os partidos foram expulsos das
manifestações, mas no fim a corja, cacifada pela corrupção, tomou conta de
tudo.
Pode ser que
não haja remédio. Mas não venham culpar o Brasil, seu povo e dizer que somos
iguais aos bandidos no poder. Favor nos incluir fora disso, como diria Vicente
Matheus.
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