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15 de abril de 2017

ENTREGAR-SE



Nei Duclós

É complicado, costumava dizer meu professor de História Colonial na USP, István Jancsó, que infelizmente foi-se para o Outro Lado. Tínhamos alguns projetos da Utopia Brasil, desde a tradicional “porque me ufano do meu país” até o novo Processo Civilizatório de Darcy Ribeiro, que celebrava o brasileiro, o Zé Ninguém, como resultado da convivência em nosso território de todas as nacionalidades e raças. Passamos pela obra de Celso Furtado, a do desenvolvimento focado na redenção humana do país, a de Caio Prado Jr., que passou a limpo nossa História com um perfil teórico dialético, a teoria brilhante de Raymundo Faoro em Os Donos do Poder (a melhor explicação sobre nossa formação) e vários outros, como a pregação socialista ou o liberalismo radical. Hoje, com a lista da corrupção, triunfa a ideia de entrega.

Não apenas a entrega da nação, em seu solo, subsolo, empresas, mão de obra, empreendedorismo, natureza, águas etc. Disso se ocupam os maganos desde priscas eras e os atuais coveiros da Nova República. Mas levaram alguns trancos com os projetos de Brasil que assumiram o poder, como foi o caso do Segundo Império, que proibiu a navegação de cabotagem (qualquer navegação) no Amazonas (e é por isso que temos ainda a mata lá), libertou os escravos ( e por isso foi derrubado),, reflorestou a Tijuca depois que a mata primária foi devastada pelas plantações de chá e impôs um rigor nas contas públicas que enchem de vergonha a administração dos últimos anos. E também o projeto de soberania da Era Vargas, que nos legou um parque industrial, as leis trabalhistas, a defesa dos recursos naturais, a educação ´pública de qualidade (quem viveu, sabe).

Mas quem venceu foi a entrega do país, não apenas de cima para baixo, como dentro de cada um. Há convicção generalizada de que somos uma merda desde o Descobrimento e que aqui só aportaram meliantes exilados de Portugal. Esquecem o Reino Unido de Dom João VI, que abriu os portos, implantou a imprensa (que teve grande liberdade no Segundo Império), trouxe luminares das artes e das ciências etc. Esquecem a grande massa de mestres de ofício vindos da Alemanha e Itália, do dinamismo oriental que gerou cidades e riquezas e do poder imperial de Portugal que evitou o esfacelamento do país, coisa que aconteceu na Cucaracholândia, que sonha com uma América Nuestra (jamais Nossa), ou seja, eles querem também ser um Brasilzão.

A principal entrega é esse pessimismo travestido de lucidez tardia, cheia de arrependimento e acusações mutuas, de que não temos jeito mesmo pois elegemos a ratatuia que nos governa porque somos idênticos a eles. Piada. Quem elege os políticos são os políticos, jamais o povo. Achei que isso tinha ficado claro com a lista de corrupção. Cada candidato precisa entregar as calças para receber uma baba e conseguir os votos. Sem falar nas urnas eletrônicas viciadas, uma denuncia recorrente que nunca dá em nada. E as mortes surpreendentes de candidatos que poderiam ameaçar o equilíbrio imposto pelas quadrilhas .Temos então o continuísmo do coronelismo dos donos do poder, sendo que os filhos e filhas dos manda chuva assumem cargos importantes e assim tudo fica igual para todo o sempre, à revelia do povo.

O povo é honesto, decente e trabalhador. Precisa sobreviver num ambiente contaminado e naturalmente interage com ele dividindo culpas no varejo, um fosso que se aprofunda ao longo do tempo. Foi corrompido em muitas de suas ações pelo que veio de cima, dos mandões que se perpetuam no poder por gerações e que derrotaram todos os projetos da Utopia Brasil, usando-os para engabelar os eleitores. O problema é que nos insurgimos sem conseguir mudar nada e nossas insurgências são imediatamente apropriadas pelos mesmos de sempre, como aconteceu com as Diretas Já e a Revolução de 2013, confundida com um aglomerado de hordas fascistas portando verde e amarelo. Em 2013 os partidos foram expulsos das manifestações, mas no fim a corja, cacifada pela corrupção, tomou conta de tudo.

Pode ser que não haja remédio. Mas não venham culpar o Brasil, seu povo e dizer que somos iguais aos bandidos no poder. Favor nos incluir fora disso, como diria Vicente Matheus.


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