Nei Duclós
Entra no Netflix um filme didático, a Grande Aposta (The Big
Short, 2015, de Adam McKay), com elenco estelar: Christian Bale, indicado para
o Oscar no papel de Michael Burry, o gênio dos números que descobriu dois anos
antes, a partir da análise de tendências de quebra de contratos e
inadimplência, a fraude imobiliária que implodiu os mercados em 2008; Steve
Carell, perfeito neste drama como o ético investidor que enxerga a profundidade
da sacanagem e as consequências nefastas para a economia ao entrevistar
eufóricos corretores novos ricos; Ryan Gosling, como o oportunista que
aproveita a sacada de Burry para especular contra os bancos que manipulavam
índices e compravam avaliações para vender créditos podres, hipotecas vencidas,
reunidas em pacotes considerados de alto valor; e Brad Pritt, irreconhecível de
barba grisalha e cabelo volumoso, como o ex-mega investidor que se recolhe à
vida doméstica e à sua horta e que entra de novo no circuito para encaminhar
jovens talentos financeiros para a riqueza.
Não entendo direito como funciona a fraude exposta no filme,
mas ele é bem explícito. O básico acho que dá para capturar: a moeda corrente é
a dívida e você transforma a dívida em lucro, em investimentos gometricamente
rentáveis. Como as avaliações são compradas, esses pacotes são vendidos como
Triplo A, ou seja, sólidos e de alto retorno. Mas claro que um dia isso vai
explodir, pois as hipotecas (as dívidas imobiliárias vencidas) se multiplicam
na mão principalmente de quem não pode pagar. São os famosos créditos podres,
que o Brasil adotou exatamente depois da crise de 2008 que devastou a economia
global. Foi quando encaramos o tsunami como marolinha e adiamos a falência para
nossos dias. Hoje, de cara no chão, estamos pagando a conta depois da famosa
“ascensão à classe média” e ao falso fim da miséria .
Ao entrevistar as stripers e os migrantes que conseguiram
suas casa sem ter renda compatível, quem apostou contra os bancos (e acabou
ganhando fortunas) descobriu que as dividas eram assumidas pela especulação
financeira para fazer volume, como se fossem opções competitivas. Havia certeza
de que o mercado imobiliário era sólido, uma mentira muito bem aplicada em quem
punha sua grana na mão da bandidagem de terno e gravata. Basta manipular as
taxas de juros, as avaliações e os preços dos pacotes para todo mundo engolir a
patranha sem se dar conta que tudo iria por água abaixo.
No fim quem pagou o rombo foram os contribuintes, como está
acontecendo agora conosco, que temos de amargar a ressaca de anos de
inadimplência mascarada de crescimento. Eles sabiam que iria estourar na
população, mas não deram a mínima, dizem os caras que descobriram a fraude. O
filme atualiza a negociata, pois se sabe que o descobridor da sacanagem
informou o governo sobre como descobriu tudo e no fim foi investigado pelo FBI.
Além disso, novos pacotes de créditos podres (com outros nomes) recomeçaram a
tomar conta do mercado a partir do ano passado, driblando assim as medidas
rigorosas adotadas depois do crack de 2008. Os grandes bancos ficam intactos e
fodam-se as populações e os países que está vinculados a esse sistema corrupto
e corruptor.
Quem se importa? Nós, amantes do cinema. Porque é de cinema
que se trata. E dos bons. O filme adota de vez em quando, e com competência, o
recurso brechtiano de o ator descrever a ação do personagem olhando para a
plateia. E usa metáforas hilárias, como o crédito podre sendo comparado ao
peixe de três dias vendido em restaurante chic como se fosse iguaria.
RETORNO - Imagem desta edição: Christian Bale, detonando.
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