Nei Duclós
Estás grudada mas finges indiferença. O que te trai é essa
perna trêmula.
O que invento nada tem a ver contigo. Minha fantasia fica ao
relento.
Tens demandas, mas não sou teu alvo. Exerço a vingança
fazendo o poema cair distante de ti.
Cedo cedes a imposições da natureza. Pássaros da manhã,
flores animadas, corpo afim.
É cedo para o perdão. O ódio ainda não completou o
extermínio.
Fuja, musa. O poema se transfigura, um perigo.
Luxo é tua mão em mim, por descuido.
O desejo é a lua de dentro, acesa
Te aliso, ventania. Sopre em minha janela, eu tremo tuas
cortinas.
Passo o dia fazendo arte, mas só sou pintor quando me
curtes.
Pensei
que desta vez haveria trégua. Mas não há repouso na queda.
Partimos o coração por motivos diversos. Eu pela traição, tu
pelo resto.
Vieste em boa hora, amiga flor do deserto. Fazes companhia
para a minha sede.
A todos distribui meu acervo: palavras dispostas sem
comedimento. Como se já tivesse partido, coração de um outro tempo.
Sou minha viagem. Do nada à eternidade. A vida paga a
passagem.
Estás distante, ao alcance da frase mais contundente, a que
não mente.
Gotas de orvalho tomam sol de manhã.
Somo o que sou, intenso.
INDIFERENÇA
A morte nobilita quem foi tratado com indiferença. Faz
desfilar no enterro a lágrima economizada em vida.
O olhar poético do Brasil sem soberania confinou-se ao
detalhe que passava desapercebido. Mas já é tempo de abandonar a trilha das
formigas. É hora de vislumbrar de novo o temor do horizonte. Como fizeram os
poetas antigos, antes que o dia rebente.
O poeta pode ser um estadista. Porta voz do que estava
oculto, boca de fogo do vulcão considerado extinto. Sua vida não lhe pertence:
foi inteiramente doada para o que salva sob os ditames do acaso.
A poesia é mais forte do que nossas opiniões. Estas, se
desfazem conforme o clima. A poesia é penhasco à beira mar.
Não virar as costas para o que brilha, não submeter-se ao
que dita, não compactuar com o crime, não obedecer a agenda. Mas participar do
que vive, de todas as formas.
O autor tem natureza mediúnica. Por ele passam os feixes de
luzes alheias, que eu seu coração participam de múltiplas criações.
Aprendemos a respeitar, assim como aprendemos a viver. Nem
sempre o mito nos governa, mas é bom saber do que se trata. Sermos inclusivos,
eis nossa obra.
DE PRESENTE
Te dei o mar de presente
puseste embaixo da cama
toda vez que tens insônia
pinta a lua no poente
Vênus era teu pingente
joia de um céu de junho
as ondas que te traziam
eram abraços sinceros
RETORNO - Imagem desta edição; foto de Nei Duclós.
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