3 de julho de 2015

INTENSO


Nei Duclós



Estás grudada mas finges indiferença. O que te trai é essa perna trêmula.

O que invento nada tem a ver contigo. Minha fantasia fica ao relento.

Tens demandas, mas não sou teu alvo. Exerço a vingança fazendo o poema cair distante de ti.

Cedo cedes a imposições da natureza. Pássaros da manhã, flores animadas, corpo afim.

É cedo para o perdão. O ódio ainda não completou o extermínio.

Fuja, musa. O poema se transfigura, um perigo.

Luxo é tua mão em mim, por descuido.

O desejo é a lua de dentro, acesa

Te aliso, ventania. Sopre em minha janela, eu tremo tuas cortinas.

Passo o dia fazendo arte, mas só sou pintor quando me curtes.

Pensei que desta vez haveria trégua. Mas não há repouso na queda.

Partimos o coração por motivos diversos. Eu pela traição, tu pelo resto.

Vieste em boa hora, amiga flor do deserto. Fazes companhia para a minha sede.

A todos distribui meu acervo: palavras dispostas sem comedimento. Como se já tivesse partido, coração de um outro tempo.

Sou minha viagem. Do nada à eternidade. A vida paga a passagem.

Estás distante, ao alcance da frase mais contundente, a que não mente.

Gotas de orvalho tomam sol de manhã.

Somo o que sou, intenso.


INDIFERENÇA

A morte nobilita quem foi tratado com indiferença. Faz desfilar no enterro a lágrima economizada em vida.

O olhar poético do Brasil sem soberania confinou-se ao detalhe que passava desapercebido. Mas já é tempo de abandonar a trilha das formigas. É hora de vislumbrar de novo o temor do horizonte. Como fizeram os poetas antigos, antes que o dia rebente.

O poeta pode ser um estadista. Porta voz do que estava oculto, boca de fogo do vulcão considerado extinto. Sua vida não lhe pertence: foi inteiramente doada para o que salva sob os ditames do acaso.

A poesia é mais forte do que nossas opiniões. Estas, se desfazem conforme o clima. A poesia é penhasco à beira mar.

Não virar as costas para o que brilha, não submeter-se ao que dita, não compactuar com o crime, não obedecer a agenda. Mas participar do que vive, de todas as formas.

O autor tem natureza mediúnica. Por ele passam os feixes de luzes alheias, que eu seu coração participam de múltiplas criações.

Aprendemos a respeitar, assim como aprendemos a viver. Nem sempre o mito nos governa, mas é bom saber do que se trata. Sermos inclusivos, eis nossa obra.


DE PRESENTE

Te dei o mar de presente
puseste embaixo da cama
toda vez que tens insônia
pinta a lua no poente
Vênus era teu pingente
joia de um céu de junho
as ondas que te traziam
eram abraços sinceros

RETORNO -  Imagem desta edição; foto de Nei Duclós. 

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