Nei Duclós
Pluma de pétala, roçar de penugem, bóia no éter, louça de
estrela: flutuas no beijo que componho.
Nada mudou, a não ser teu rosto
crispado de amor diante do segredo que enfim nossos corpos revelaram.
Fico esperando que me fales no
ouvido. Mas só escuto o mar, minha solidão ao vivo
Quando nos sintonizamos, na conexão
funda, andar depois fica difícil.
Acordei com a palavra fazendo café.
Cheiro de você rompendo o cerco do inverno.
Desconfias que fiz a esmo os versos
que cultivo. Sou lavrador de sentimentos, flor púrpura.
Amanhecemos num terraço avulso.
Próximos de um desatino, um beijo desencadeando chuva.
Dê uma volta para eu ver você em seu
vestido. Depois desfaça em parafuso como se fosse uma valsa.
Amor é invasivo. Paradoxo de algo
que depende de mútuo acordo.
Querer é livre. Chegar mais perto
desde que consintas.
Você tão parecida com aquela estrela
longínqua. Com a diferença que és minha
Já faz uma cara que pediste um
tempo. Fico irreconhecível sem teu espaço.
Saudade é um elástico que te traz de
volta em poucas horas.
Nunca estive perto de você, mas já
estive mais perto.
Estou cada vez mais longe, olhos de
violeta.
Só vou se me chamar. Senão volto
para o mar.
Poesia é assombro. Por isso beijo
teu ombro
É amor? perguntou-se.
Era.
EXISTIR-ME
A moeda brasileira é dívida. Sempre fui rico.
Tudo me inviabiliza. Construí um mundo à parte, onde possa
existir-me.
A noite é quando o dia pensa.
O amanhecer é imaginado pela noite alta.
Do mundo bruto, temos a manha: aceitamos que seja real,
desde que ceda depois da curva
Ficamos cada um numa ilha. Formamos
um arquipélago de suspiros.
Fantasia, território livre, onde
estabelecemos acordos inverossímeis. Maná que alimenta vigílias.
Não fosse o sol, estaríamos fritos.
Estamos de férias. Imaginamos uma
viagem em cada esquina. Espere o sol, que vem de carruagem.
Daqui a pouco tudo passa: o frio, a
madrugada, a saudade.
Isso não faz sentido, mas podemos imaginá-lo
Pense num diálogo. Sou o que te responde.
É simples. Basta impregnar a palavra com o que ela sonha.
RETORNO - Imagem desta edição: Nastassia Kinsky.